quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

de A a Z

Devido ao fato de os dois colaboradores deste blog estarem cursando sua segunda graduação, as coisas ficaram meio paradas por aqui neste final de semestre. Mas prometemos voltar à programação normal ano que vem!
Enquanto isso, fiquem com um recadinho da Zatanna para este final de ano e início de outro.
Feliz Ano-Novo!
Até 2011!!





Símbolo de renovação sugerido 1 (animal): Fênix.
Símbolo de renovação sugerido 2 (figura mítica): Ouroboros.
Símbolo de renovação sugerido 3: Suástica rúnica (a original, não a corrompida pelos nazistas).
Deus sugerido 1: Shiva.
Deus sugerido 2: Ganesh.
Deus sugerido 3: Janus.
Orixá sugerido: Oxumarê.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Zoo

Zoo era a história em quadrinhos mais cara da mesa de HQs brasilienses da Livraria Cultura. Relutei... Olhei a capa, me parecia interessante... Olhei o interior, bem acabado, bom material, desenhos limpos com cores vibrantes... Dei uma olhada na contra-capa, onde há um macaco carregando um bebê e a frase “Em um mundo onde os humanos são os animais, ainda há quem lute por eles”. Era a mais cara, mas a mais bem produzida e também me parecia a mais interessante. Decidi comprar.
Confesso: quando pego obras nacionais, e ainda mais, regionais, não gero uma expectativa muito grande, pois sei das dificuldades de se produzir e colocar no mercado um material bom. Entretanto, Zoo, da HQM Editora, superou minhas expectativas e me fez repensar essa postura. Eu sou chato. Eu sou muito chato! A ponto de ficar puto em perceber que uma editora acabou com o suspense de uma página ao colocar a revelação de página inteira na página da direita. Todo mundo olha primeiro a página da direita, passando reto pela página da esquerda, ainda mais esta sendo composta exclusivamente por imagens, sem diálogos. Esperava encontrar pequenos defeitos em Zoo. Não que procurasse, encontraria naturalmente, em virtude desse criticismo ao estilo House.
À medida que fui lendo, fui automaticamente analisando a obra. A questão narrativa é a minha especialidade, e percebi, de cara, uma coisa: o livro não é uma cópia de Planeta dos Macacos. Refiro-me a sequência de cinco filmes produzidas há algum tempo e à relativamente mais recente versão de Tim Burton. Macaco na capa, protegendo humanos, pensei: essa história eu já conheço. Tudo bem, a inspiração certamente veio de lá, mas penso o conceito de originalidade não como algo completamente novo (se é que isso existe!). Se você usa uma mesma ideia básica e a trabalha de maneira bem distinta, é original para mim. Zoo não é uma cópia, nem uma história muito parecida com Planeta dos Macacos. Foi minha primeira quebra de expectativa.
Continuei a leitura e percebi que o narrador – Nestablo Ramos – foi guardando surpresas, revelações ao longo da história. Zoo surpreende, e não é apenas no final. Mais um ponto para Nestablo. Em termos de ritmo de narração, condução do leitor, suspensão da descrença, reflexão, ação e suspense (eu disse que era chato), mais uma vez Nestablo é bem-sucedido, assim como na construção de personagens. E o tema abordado é universal, não se prende nem à Brasília, nem ao Brasil.


Só que minha análise, quando se trata de quadrinhos, não se restringe ao aspecto narrativo, embora ele seja o que mais considero até mesmo por ser eu mesmo um autor literário. Analiso alguns aspectos mais técnicos, como o exemplo que dei de revelação em página inteira, que sempre deve estar na página da esquerda da revista. Os desenhos são limpos, as cores são vibrantes, isso já tinha dado para ver naquele folhear indeciso antes de comprar. Só que o desenho é também muito expressivo, trabalhado eficazmente na condução da história. Os personagens animais expressam bem as personalidades, as imagens provocam o leitor, principalmente na transmissão da mensagem que Nestablo quer passar.


Entrando em alguns detalhes, as páginas são limpas, claras, não fazem a gente franzir as sobrancelhas e ficar tentando adivinhar o que está desenhado ali (como já vi acontecer em histórias até da grande Marvel). A distribuição dos quadrinhos dentro das páginas, os destaques nas cenas, a emoção que passam, até a posição dos balões em relação ao desenho e a maneira como os diálogos conduzem o leitor... tudo perfeito. Eu que esperava encontrar um monte de defeitos...
Qual foi minha surpresa ao descobrir, em conversa com o autor, que ele fez absolutamente tudo na obra: roteiro, desenho, cor e letra. Com toda essa qualidade? É, meu caro Nestablo, você é uma prova de que é possível fazer história em quadrinhos nacional de extrema qualidade. Deve haver outros autores por aí, espalhados por todo o Brasil, escondidos em suas cidades. Basta uma empresa disposta a investir nesses potenciais ou nesses profissionais (uma salva de palmas para a HQM Editora), porque talento a gente tem para produzir material com qualidade suficiente para vender aqui dentro e no exterior. Se alguém duvida, leia Zoo.



domingo, 10 de outubro de 2010

Irreverência ou Cópia?

Vocês já imaginaram um confronto entre o Sentinela da Marvel contra o Super-Homem da DC? Eu lhes digo que este embate já ocorreu! Conto mais ao fim deste... e de quebra ainda dou um cube papercraft único e exclusivo do Overman!
Como o Guilherme já bem disse em um post anterior (há um ano), há personagens que são bastante parecidos com outros. Há alguns casos que são por coincidência, há alguns que são verdadeiramente plagiados (conscientemente ou não), e há outros cujas semelhanças são propositada e intencionalmente forçadas. Bom, não sei em quais casos cada um que apresentarei abaixo se enquadra, mas busquei sortear um elenco que apresente casos curiosos e até versões engraçadas de outros personagens, inclusive em outras mídias que não quadrinhos (ou BD ou comics).


Capitães Marvel
Um jovem que adora usar jeans e roupinhas datadas que, após descobrir acidentalmente algo incomum numa caverna, ao emitir determinado comportamento (verbal ou gestual), é tomado por forças desconhecidas e troca de corpo com uma versão super-heroica adulta mais forte, mais resistente, capaz de voar e dotado de uma consciência ou sabedoria acima da de qualquer ser humano. E essa versão "aprimorada" responde pela alcunha de Capitão Marvel. Bom... qual dos dois? Os dois! Durante uma intriga sobre os direitos do Capitão Marvel entre a DC Comics e a Fawcett Comics (a primeira alegava ser o Capitão uma versão do Super-Homem), a Marvel conseguiu os direitos sobre o nome Capitão Marvel e publicou seu próprio personagem, obrigando a DC a lançar seu personagem, após adquiri-lo, sob o título de Shazam em suas capas (daí a famosa confusão de muitos acharem que Shazam é o nome do herói). E por conta disso também, a Marvel é obrigada a lançar a cada ano ou dois alguma publicação com o título Captain Marvel na capa para não perder seu direito sobre o nome (daí a quantidade de personagens diferentes na própria Marvel usando o mesmo pseudônimo). A única distinção entre a versão da DC e a da Marvel é que esta última trocou as características místicas/divinas por habilidades científicas/alienígenas.


Mads and Freaks

Personagem cômico, com nome que lembra algo louco ou esquisito, de pele azul, uniforme inteiriço monotônico, com uma exclamação no peito como emblema, e com uma espécie de raiozinho estilizado na testa ou cabelo, que ganhou reflexos extraordinários após um tipo de acidente. Segundo o criador de Madman, Mike Allred, ao criar Freakazoid, Bruce Timm o informou que Madman era uma das fontes inspiradoras de seu personagem. A controvérsia ocorreu quando Allred percebeu que, fora isso, nenhuma outra referência ou crédito foram feitos após a exibição do desenho animado, o que o chateou um pouco e o deixou um pouco desconfortável, apesar de reconhecer que seu próprio personagem, Madman, também é influenciado por muitas outras fontes. Mas a exclamação no peito ainda o perturba...


Harry Hunter ou Timothy Potter

Um garoto inglês mediano, franzino, de cabelos escuros e despenteados e óculos de armação plástica escura e redonda, órfão, que em seu aniversário de 12 anos descobre ter uma origem secreta que não conhecia e possuir um potencial (ou está destinado a) para ser o (ou um dos) mais poderoso(s) mago(s) quando crescer, ao ser abordado por indivíduos já experientes com magia, que ganha como presente destes uma coruja de estimação, e a partir daí tem acesso a um mundo cheio de criaturas fantásticas e misticismo. Óbvio que as semelhanças acabam por aí, mas como são muitas! Os rumos que Harry Potter toma em sua série de livros infanto-juvenis não se comparam com os que Tim Hunter toma em Livros da Magia, sob o selo adulto da Vertigo (apesar de que, em determinado momento da série, o autor Peter Gross brincou com as similitudes fazendo com que um irmão de criação de Tim, ao usar um artefato que o faz ficar parecido com Tim, tome um trem na plataforma 9 1/2 da estação King’s Cross, fazendo-o assim uma versão alternativa de Harry Potter). Digno de gentleman o comentário do Sr. Gaiman sobre o suposto plágio de sua obra, dizendo que ambos apenas beberam das mesmas fontes: "Não fui o primeiro autor a criar um jovem mago com potencial, nem Rowling foi a primeira a mandá-lo para a escola. Não são as ideias que importam e sim o que você faz com elas."



Sandmare

Ente místico ou abstrato, solitário, pálido, alto e magro, de cabelos negros desgrenhados que costuma trajar uma capa, reina na dimensão dos sonhos com capacidade de mandar pesadelos aos mortais, porém sendo dependente destes para existir, com poder ilimitado em seu reino, mas que às vezes se arrisca no mundo desperto. Será que só eu via semelhança entre os dois? Tudo bem que um é sombrio e do mal, e o outro... não, mais ou menos, sei lá. Pesadelo, vilão da Marvel, e Sandman, "herói" da DC. Curioso observar que as vestes de cada um refletem a época em que foram concebidos, sendo o uniforme do Pesadelo meio lisérgico, típico do pensamento dos anos 60, em contraste com o gótico cru e mais punk de Sandman, da década de 80. Mais engraçado que isso, porém, é o fato de a entidade maléfica usar roupa colorida verde e a entidade mais "boazinha" (se é que esses termos se aplicam) abusar do preto sóbrio...


Halloween Mask
Personagem mezzo sádico/mezzo cômico, sem inibições psicológicas ou sociais, insano, característico por sua face verde emoldurando um largo sorriso, vestido de terno, com poderes de mudança de forma limitada apenas por sua imaginação, reflexos aumentados, que frequentemente parece ignorar a gravidade, cuja origem está associada de alguma forma com o Deus Loki. Um é o famosíssimo Máskara (cuja origem relacionada a Loki só existe na versão cinematográfica), e o outro é o não tão conhecido Halloween Jack, da também não tão conhecida linha 2099 do Universo Marvel.




Nightspawn
Um negro que foi imbuído de poderes mas sabe que seu fim está próximo e que se vê obrigado a usá-los, usa uma máscara que cobre toda a face e uma longa capa vermelha quase viva, que lhe confere, assim como sua veste, uma variedade de capacidades, tais como planar no ar, curar feridas, aumentar seus reflexos. Olhem bem pro design do uniforme dos dois aí em cima. Nightwatch foi um personagem secundário (ou seria terciário ou quaternário?) que apareceu em algumas brevíssimas histórias do Homem-Aranha aqui no Brasil - pouco depois que Todd McFarlane deixou de desenhá-lo -, e que não fez muito sucesso. Ganhou seu uniforme tecnológico de uma versão futura de si mesmo que estava prestes a morrer. Spawn é a cria mais conhecida de Todd McFarlane - desenhista que alavancou durante um bom tempo a popularidade do Aranha enquanto o desenhava -, um dos carro-chefes da Image quando fora criada logo após a saída de McFarlane da Marvel. É um soldado do inferno que possui um traje simbiótico e que, quanto mais usa seus dons, mais se aproxima de ter sua alma destinada ao inferno.
Agora vejam o traje e a pose do Gatuno, inimigo do Aranha, desenhado por Todd McFarlane, pouco antes de criar o Spawn, enquanto ainda desenhava o Amigão da Vizinhança pela Marvel, ao lado... Sucessão de coincidências?



Os Patos

Um pato meio humanoide, falante, que usa roupas (mas não usa calças!), gravata, chapéu azul, bravo e de pavio curto. Donald é um dos mais conhecidos e queridos personagens de Walt Disney, e dispensa apresentações. Howard também é muito querido pelos fãs que o conhecem, um personagem que infelizmente foi severamente boicotado no Brasil. Apesar de já ter atuado ao lado do Homem-Aranha, do Dr. Estranho, do Homem-Coisa, da Mulher-Hulk, entre outros, e ter ganhado uma minissérie pelo selo adulto da Marvel, Marvel Max, nunca teve uma história sequer publicada no Brasil. Sua única aparição em uma edição nacional só ocorreu numa história isolada durante a Guerra Civil e em duas páginas da saga Invasão Secreta, juntamente com outras dezenas de personagens ao redor (e assim não poderiam tirá-lo da cena), sem nenhuma menção ou explicação qualquer. Suas histórias geralmente apresentam sátiras sociais, paródias com outras ficções, e é quase existencialista, além de bem humoradas. Como a Disney reivindicava muitas semelhanças entre os personagens, a Marvel decidiu então fazer com que o cínico pato Howard usasse calças, para diferenciá-los... Uma pena tal personagem nunca ter tido oportunidade aqui no Brasil.


Sentriumph
Herói loiro, poderosíssimo, capaz de derrotar o Super-Homem*, manipula o espectro eletromagnético, garantindo-lhe ampliada percepção sensorial, superforça, invulnerabilidade, voo, geração de rajadas de energia pelas mãos ou olhos, um dos maiores se não o maior herói de sua época, ajudou (em retcon) a fundar a maior equipe de super-heróis do planeta, esquecido por estes mesmos heróis e apagado da memória de todos como se nunca tivesse sido, e relegado ao esquecimento. Quando voltou a reencontrar seus antigos companheiros, estava mentalmente instável, ora tornando-se supervilão, ora se redimindo. Pois é, essa é a premissa do Sentinela, herói que causou um verdadeiro furor quando surgiu, devido a seu imenso poder e sua grande tragédia. Mas é também a mesma premissa de Triunfo, personagem pequeno que algumas - poucas - vezes atuou ao lado da Liga da Justiça. Sensação de déjà vu...
*Para quem gostaria de ver um combate entre Sentinela e o Super-Homem, ele já aconteceu sim! É só buscarem a Liga da Justiça de Grant Morrison, no arco Crise Interdimensional. Neste arco, com a participação especial do Capitão Marvel (Shazam) e de alguns gênios da 5ª dimensão, Triunfo enfrenta o Último Filho de Krypton.
Além de citar o caso, já mostrado lá em cima no início do post, do "super-herói" brasileiro Overman e de Space Ghost, ambos com identidades mais que secretas debaixo de uma máscara que nunca tiram, não poderia deixar de falar também dos Amigos da Justiça!
O patriótico Major Glory (pastiche tanto do Capitão América quanto do Super-Homem), the Infraggable Krunk (versão em negativo do Incrível Hulk), and Valhallen - palavra-valise ou portmanteau de Valhalla e Van Halen -, Deus Viking do Rock (alusão ao deus nórdico do trovão, Thor), formam um grupo desajustado de heróis do desenho animado apresentado pelo canal de TV a cabo Cartoon Network.


Os Ratos
Para finalizar, uma tirinha bem antiga de Fernando Gonsalez, com seu personagem-título, uma ratazana de esgoto, Níquel Náusea, encontrando seu parônimo(?) mais guti-guti, Mickey Mouse!
E aí, faltou alguma irreverência/referência que eu deixei de citar?


Filme sugerido: O Homem que Copiava (2003), de Jorge Furtado.
Comemoração ou tradição sugerida: festa de halloween.
Música sugerida: "Jump", de Van Halen.
Série de livros sugeridos: Harry Potter (a heptalogia).
Cubecraft sugerido: Overman (inédito, autoria própria).
HQ online sugerida: Tio Patinhas e Pato Donald em Dream of a Life Time (que talvez tenha inspirado o filme A Origem - Inception).
Posts sugeridos: Influências e Semelhanças do blog Alternative Prison.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Verifique se o Mesmo encontra-se neste andar


Meu irmão me deu de presente recentemente o álbum Mesmo Delivery, de Rafael Grampá, pela Desiderata. Já havia lido anteriormente, mas gostei de ter ganhado e mantive o presente. Porque a HQ do Grampá é muuuuito boa! A história em si é boazinha, nada de mais, mas principalmente pelos desenhos e pela narrativa, fenomenais.
O enredo segue um caminhão da empresa Mesmo Delivery, sua misteriosa carga e dois de seus funcionários através de uma autoestrada pelo deserto, parando em um motel de posto de beira de estrada para um rápido descanso. Sim, o clima e o cenário são tipicamente norte-americanos (fora o fato de ser originalmente escrita em português, a única coisa que denuncia a brasilidade do escritor e desenhista gaúcho é uma moedinha de um real deixada no balcão pelo motorista), denunciados pelas placas todas em inglês e também pelo conteúdo da fala do personagem Sangrecco, sobre Elvis:
Aqui cabem dois adendos: reparem como Sangrecco confunde o nome Shazam com o personagem Capitão Marvel, e também como, apesar de lançada em 2008, ele se refere ao Super-HOMEM, não a Superman. Corrobora muito do que eu disse anteriormente, não? E, na verdade, Elvis gostava era do Capitão Marvel Jr., não do Capitão Marvel (confiram neste ótimo post do I-Néscia).

O clima de road movie ajuda a dar o tom da história, e as cenas quase sem diálogos, apenas mostrando o ambiente, são muito bem aproveitadas. Aliás, muito rico o grau de detalhamento dos cenários criados por Grampá. O autor disse ter se inspirado, entre outras fontes, nos episódios de Além da Imaginação que assistia quando criança. Talvez não pelo caráter insólito, mas sim no twist ending que nos aguarda ao final (um pouco previsível, talvez). A paleta de cores escolhida para a história também ajuda nessa caracterização, dando um ar meio vintage, sei lá.

Mas é na arte que o talento de Grampá dá um show. Confesso que, inicialmente, não gostei muito de seu desenho sujo e meio caricato. Mas me rendi a suas tomadas impossíveis e a seus ângulos absurdos . Reparem nesse enquadramento desconcertante: Muito criativos, muito dinâmicos, e muito bem desenhados. A sequência das páginas 36 e 37 são de tirar o fôlego, literalmente! Animal mesmo, não há como descrever, só vendo e admirando! Na introdução da obra, ao falar do traço de Grampá, Lourenço Mutarelli fica reticente em usar o termo "sequência cinematográfica" pois, de acordo com o mesmo, "no fundo, o cinema bebe muito mais nos quadrinhos do que o inverso". Mas é impossível não imaginar como ficariam todas essas vistas e tomadas nas telonas com seus posicionamentos de câmera (e parece que os direitos já foram vendidos para virar filme).

Outra característica que admirei bastante foi o uso de onomatopeias como elementos de cena, seja na música preenchendo o fundo do cenário e embalando a cena, seja risos ou outros sons devidamente alocados nos quadros. Talvez Grampá tenha bebido um pouco da fonte dos mangás nesse quesito, assim como algumas cenas lentas, arrastadas, meio contemplativas. Mas não entendam mal: a HQ é altamente ágil e dinâmica, e violenta ao extremo, por mais paradoxal que isso seja. Só conferindo o material para confirmar. Grampá é brasileiro, e ganhador do prêmio Eisner pela antologia "5", e agora que a Dark Horse comprou os direitos e lançou Mesmo Delivery em inglês, só podemos ansiar por mais histórias desse grandíssimo artista. Ele foi convidado para ilustrar uma história de John Constantine escrita por Brian Azzarello pelo selo Vertigo, e fez uma capa para a revista Strange Tales, em que roteiriza e desenha uma história de Wolverine, pela Marvel Comics. O próximo projeto do autor é a revista Furry Waters, que nomeia seu blog.
Questionado sobre a escolha do nome da empresa, Mesmo Delivery, o autor emendou hilariamente o quanto ficava assustado com aquelas plaquinhas presentes em portas de elevador, que lhes serviram como inspiração:
ANTES DE ENTRAR NO ELEVADOR,
VERIFIQUE SE O MESMO
ENCONTRA-SE PARADO NESTE ANDAR.
Abaixo, deixo-os com uma ótima ilustração de Grampá do Demolidor, com seu estilo sujo que cai bem ao herói urbano, e sua explicação sobre a composição da imagem:
"Matt Murdock é filho de boxeador e por isso minha versão pro personagem é uma mistura de super-herói, boxeador e lutador wrestler. Eu nunca gostei dos gráficos em estilo “eletrônico” que alguns artistas desenham para representar o radar do personagem. Ele não é uma máquina e sempre imaginei que a representação desse radar deveria ser mais orgânica, e foi o que tentei fazer."


Artista sugerido: Elvis Presley.

Seriado sugerido: Além da Imaginação (The Twilight Zone), série clássica de 1959.

Filme sugerido 1: Encurralado (Duel, 1971), de Steven Spielberg.

Filme sugerido 2: Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country for Old Men, 2007), dos irmãos Ethan e Joel Cohen.
Filme sugerido 3: Inferno na Estrada (Retroactive, 1997), Louis Morneau.

Comunidade do orkut sugerida:

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O simbolismo dos super-heróis

Agradeço novamente a todos que compareceram a minha palestra O simbolismo dos super-heróis, na Livraria Cultura. Para quem não pôde ir, eis um resumo do tema abordado.


História em quadrinhos: coisa de criança? Um mero produto de consumo? Histórias fracas e superficiais, como filmes de ação sem profundidade? Fantasia, fuga da realidade? Nada disso! As histórias em quadrinhos possuem uma grande profundidade. Os super-heróis não são apenas seres com um uniforme legal, feitos para vender bonecos, jogos e lancheiras. Existe algo de muito profundo nos heróis clássicos das histórias em quadrinhos.

Super-homem e a mitologia

A mitologia é a fonte onde bebem os criadores de super-heróis. Desde Gilgamesh, um dos mitos mais antigos de que se tem conhecimento, existe no imaginário a noção de um ser parte humano, parte divino, dotado de grandes poderes. Se pegarmos a mitologia grega, temos Hércules como o exemplo mais popular de herói. E Super-homem tem várias semelhanças com ele. Qual é o poder do semideus? Uma força incomensurável. E um dos poderes do Super-homem, um dos mais notáveis desde sua criação, em 1932, por Jerry Siegel e Joe Shuster? A força incalculável. Hércules era filho de Zeus – pai dos deuses – e uma mortal. Seu sangue divino era o que lhe conferia poderes. O Super-homem, a seu modo, também tem o poder no sangue, só que em vez de ser divino, ele é alienígena, uma adaptação aos tempos modernos e suas crenças. A analogia divina pode ser observada, porém, no fato de que o Super-homem veio dos céus, e por isso tem poderes. Hércules, a partir de seu primeiro trabalho, passou a usar a couraça do leão da Nemeia como sua roupa e proteção, como retratado em diversas de suas esculturas (ao lado). O Super-homem tem um uniforme, usando inclusive um emblema no peito.
Falar do Super-homem é falar dos super-heróis de uma maneira geral. O primeiro herói a figurar nas páginas dos quadrinhos com superpoderes, o modelo para os super-heróis seguintes. Ele representa basicamente as características fundamentais do que torna um super-herói um super-herói. É seu arquétipo: justo, altruísta, luta pela liberdade e pela verdade. Ele é um exemplo para os personagens dos quadrinhos e para os leitores. Sempre agindo pelo bem e usando todos os seus poderes em busca de uma sociedade melhor. Mais importante que seus poderes é sua moral, afinal poderes os supervilões também têm, o que faz um herói ser herói é sua ética e comprometimento com a justiça.


A comparação Super-homem e Batman
Outro herói clássico dos quadrinhos, muito popular há anos, é o Batman. Também engajado na luta pela justiça, adotou critérios altruístas, mas possui algumas diferenças em relação ao “pai dos super-heróis”. Batman não possui poderes. Seu intelecto e treinamento é o que o tornam um herói. Quando a comparação entre Super-homem e Batman vem à tona essa é uma das justificativas para que o Batman seja considerado mais heroico. É fácil deter um assalto a banco, por exemplo, quando se é invulnerável e sua força, insuperável. Batman, se levar um tiro na boca, morre. Sendo assim, ele é mais corajoso. Certo, mas o Super-homem também enfrenta adversidades que estão compatíveis com ele, reais ameaças a sua integridade física. O poder é justamente o que faz com que o Super-homem enfrente diariamente ameaças que não estão na alçada do Batman, mais um justiceiro das ruas, um combatente do crime. O Super-homem seria, por esse motivo, mais heroico, pois seus poderes lhe permitem, em vez de salvar uma vítima do crime, salvar o mundo inteiro de uma ameaça planetária. Por outro lado, Batman precisou desenvolver suas capacidades e precisa treinar todos os dias, enquanto o Super-homem nasceu com suas poderes, veio de graça. Enfim... a lista dos defensores de um e dos defensores de outro é grande. Não quero defender nem um lado, nem outro, considero que a reflexão é o que é mais importante.
Ainda na comparação entre os dois, cabe lembrar da pintura Escola de Atenas, de Rafael, em que estão representados no centro Platão e Aristóteles (ao lado). Nela, Platão aponta para cima, simbolizando o mundo das ideias, os ideais mais elevados. Já Aristóteles, seu discípulo, demonstra com sua mão que está mais no plano terreno, que se preocupa mais em trazer soluções que tenham efeito nos problemas sociais em vigor. O que isso tem a ver com o Super-homem e o Batman? O Super-homem está para Platão da mesma maneira que Batman para Aristóteles. Enquanto o Super é um idealista, que representa praticamente o ideal de perfeição humana, Batman é um pragmático, que preocupa-se com problemas pontuais da sociedade. Ele não está interessado em dar o exemplo, e sim em combater o crime, deter a corrupção, enquanto o Super-homem representa a nobreza para que todos possam seguir seu exemplo. Os dois, nesse sentido, se complementam.

O pequeno Bruce e o pequeno Buda

Se vamos falar de Batman, vale relembrar sua origem. O pequeno Bruce vivia uma vida feliz e contente com seus pais, donos de um império industrial na cidade de Gotham. Um dia, seus pais foram assassinados na saída do cinema por um criminoso. O pequeno Bruce conheceu então a dor e o sofrimento e isso mudou completamente sua vida. Passou a treinar para combater o crime. Agora eu contarei uma outra origem... Siddhârtha Gautama era uma criança feliz no reino de seu pai. Porém, um dia, ao passear pelos jardins floridos reais, conheceu um ancião, um enfermo e um defunto. Entrou então em contato com a dor e o sofrimento e isso mudou completamente sua vida. Fundou o budismo e passou disseminá-lo, no intuito de fazer com que as pessoas pudessem cessar suas dores. Não quero, por meio dessa comparação, dizer que Batman é tão nobre ou importante quanto o Buda. Apenas trago essa semelhança para demonstrar como os princípios do budismo podem ser vistos na figura do Batman. Cada um a seu modo, ambos buscam o ideal de minimizar a dor alheia. Batman sacrifica sua vida milionária, em que poderia ter tudo o que quisesse, fazer o que quisesse, para combater o crime e fazer com que menos pessoas sejam vítimas da violência, como ele foi, quando criança.

A semelhança não para por aí. No filme Batman Begins, Bruce passou por um período de treinamento em algum lugar na ou próximo à China. É notório no filme, nos quadrinhos e em qualquer outro meio em que apareça o domínio do Cavaleiro das Trevas no campo das artes-marciais, outro elemento da cultura oriental, assim como o budismo. E em suas atitudes Batman segue, em certa perspectiva, o Nobre Óctuplo Caminho, que seria, de acordo com o budismo, o caminho que conduz à cessação da dor. Para citar alguns: retas intenções (estar bem-intencionado em todos os atos), retas palavras (não falar nem de mais nem de menos, apenas o necessário), reta conduta (de vida, sem excessos, sem inércia), reta atenção, reta concentração...


Karma, dharma e o Homem-aranha

Karma e dharma são conceitos em geral associados a reencarnação. Contudo, é possível pensar que esses princípios podem ter efeito também em uma única vida. Dharma, em bem poucas palavras, seria algo como a razão da existência de uma pessoa, o caminho a ser seguido. Karma é um efeito gerado a partir do momento em que a pessoa foge desse caminho. Agora peguemos Peter Parker, mordido por uma aranha radiotiva. Ganhou poderes, e logo seu tio Ben avisou: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. E o que Peter fez? Ignorou isso e passou a fazer fama e dinheiro com seus poderes, em cima dos palcos de luta livre. Quando um assaltante passou por ele no corredor, não se deu ao trabalho de tentar detê-lo, embora para ele fosse muito fácil. Mais tarde, o mesmo assaltante, em fuga, acabou matando seu tio. Esse foi o primeiro karma gerado na vida de Peter, um karma com um propósito muito importante: mostrar a Peter qual era sua missão de vida: ser o Homem-aranha. A partir daí Peter passou a combater o crime e outras ameaças com seus superpoderes. O dharma de Peter é ser um super-herói, a paritr do momento em que ganhou superpoderes.

Esse conceito não se restringe à origem do herói. Nas histórias do Homem-aranha são constantes os momentos em que ele pensa em largar o uniforme e levar sua vida, o que seria muito mais cômodo para ele. Cada um cuida da sua própria vida, por que ele tem que cuidar das dos demais? Basta ignorar seus poderes, fingir que não os possui. Esse é o tema central do filme Homem-aranha 2. Entretanto, como retratado no filme e nos quadrinhos que o inspiraram, toda vez que Peter tenta abandonar o uniforme o dever o chama. Alguém se fere, uma ameaça se faz presente, a criminalidade aumenta... Peter é responsável demais para fechar os olhos para isso. Largar o uniforme lhe traz desconforto e sofrimento, não é tão fácil quanto ele imaginava. Novamente, o karma lhe provoca para que volte ao seu dharma, ao seu caminho, e seja o Homem-aranha mais uma vez.


X-men: preconceito e coexistência


O mote principal das histórias dos X-men é claro desde o início: preconceitos. Os mutantes são seres que nascem com superpoderes e por isso são discriminados. Existem outros com superpoderes, mas só os mutantes são discriminados. Não faz muito sentido, não é? Pois é, o preconceito não é algo que faça muito sentido. É a rejeição àquilo que é diferente. É uma aversão a algo que é diferente de você, ou a algo que uma pessoa quer que seja diferente dela. Que sentido existe no preconceito contra pessoas cuja pela é negra? Menos do que em relação a pessoas que podem dominar sua mente com um superpoder, ou destruir sua casa com uma rajada ótica.
Apesar do preconceito, Charles Xavier tem o sonho de uma coexistência pacífica entre mutantes e humanos sem poderes. Fundou uma escola que serve de guia para jovens mutantes, onde eles aprendem não apenas a controlar melhor seus poderes, mas também a ideologia da tolerância, a concepção da harmonia social. Sem preconceitos, sem conflitos, mesmo que pessoas normais (não são todas) tentem apedrejar os mutantes nas ruas. Bater de volta não é solução. Seu arqui-inimigo, Magneto, reage de maneira antagônica. Para ele, é guerra! Se são atacados, os mutantes devem atacar de volta, impor-se, lutar pela comando das sociedades, pois eles, em sua visão, são superiores, o próximo degrau da escala evolutiva. Em outras palavras, enquanto Xavier é um agente da paz e da harmonia, Magneto é um agente da guerra e da imposição.

Os vilões também nos ensinam lições

Qual é a importância dos vilões nas histórias? Por que eles existem? Os heróis nos dão o exemplo a ser seguido, então os vilões nos demonstram o exemplo a não ser seguido. Magneto representa um conceito sofisticado de vilão. Não é perverso, completamente mal. Nem é simples, desses que simplesmente querem dominar o mundo. Magneto tem um ideal e luta por ele. Em sua visão, não há como evitar uma guerra entre humanos e mutantes, e por esse motivo é melhor atacar logo, antes que seja tarde demais. Mais real, não acham? Quando criança, Eric e sua família sofreram nos campos de concentração nazista (como retratado na obra ao lado: Magneto - testamento). Isso lhe gerou um grande trauma e o medo de que acontecesse novamente. A partir do momento em que desenvolveu seus poderes, tomou como meta que nunca mais seria subjugado. Assim, quando a população e o governo, procurando um bode expiatório, passaram a perseguir mutantes, Magneto passou a atacar a sociedade. Sem perceber, Magneto se tornou aquilo que mais temia. Se Hitler é quem personifica o nazismo, com seu discurso de superioridade racial, Magneto tornou-se exatamente o que mais odiava, pregando o discurso da superioridade mutante.
Vilões simples, que são essencialmente maus ou elaboram planos de dominação mundial, são fáceis de se perceber, e é muito difícil que nos identifiquemos com eles. Por outro lado, quando se analisa Magneto e outros vilões mais elaborados, nós podemos ver como uma pessoa pode se tornar um vilão sem querer, sem perceber. Vale lembrar também que o vilão é, por definição, o oposto do herói. Se o herói é definido, entre outras características, por seu altruísmo, o vilão é caracterizado por seu egoísmo.

Além de demonstrar a riqueza que existe nos super-heróis e em suas histórias, essas reflexões servem para que nós nos situemos enquanto cidadãos do mundo e seres humanos. Nos quadrinhos existem basicamente três tipos de personagens: os heróis, os vilões e os figurantes, pessoas de pouca ou nenhuma importância para a história, sempre a mercê dos perigos, esperando serem salvos. Cabe a nós perguntar: com quem que nós mais nos identificamos? E com quem que nós mais queremos nos identificar?

Livros sugeridos
Os super-heróis e a filosofia, William Irwin (coordenação);
Batman e a filosofia, William Irwin (coordenação);
Nossos deuses são super-heróis, Christopher Knowles.

Filmes sugeridos
Homem-aranha (a trilogia);
X-men (a trilogia).

Quadrinhos sugeridos
Terra-X (Marvel);
Marvels (Marvel)

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

M S P 5 0 e +

Ano passado Mauricio de Sousa completou 50 anos de carreira. Para comemorar o feito, convidaram 50 artistas brasileiros para fazerem algo, em seu próprio estilo, com os personagens de Mauricio, e o resultado foi o ótimo encadernado MSP 50.
O elenco de peso chamado incluía quadrinhistas, cartunistas, caricaturistas e desenhistas já consagrados e belas surpresas emergentes para homenagear a festividade. Interessante notar que, desde aquela primeira tirinha do Franjinha e Bidu, em 18 de julho de 1959, o próprio traço de Mauricio se modificou bastante, e a maior graça neste encadernado foi ver justamente personagens tão conhecidos nossos em versões as mais diversas possíveis (vejam os diferentes Chico Bento abaixo).

Chico Bento, nos traços de
Vitor Cafaggi, Erica Awano, Lelis,
Benett (em cima) e Julia Bax (os dois de baixo).

Infelizmente alguns artistas não impuseram seu estilo pessoal e resolveram imitar o próprio desenho do grupo Mauricio de Sousa, não sei se por não entenderem a proposta ou se foi a escolha deles para homenagear o desenhista, como foi o caso de Spacca e Antônio Cedraz, em sua história sobre Cascão e a seca. Ou, quem sabe, uma crítica velada? Explico isso melhor no fim do post.
A abertura, com Laerte, já inaugura o uso da metalinguagem que vai permear grande parte da obra. Falando em recorrência, o Astronauta foi, de longe, o mais ubíquo, dentre o rol de personagens a serem utilizados, figurando em 7 das 50 historinhas.

Astronauta, por
Marcelo Campos/Renato Guedes, Jean Okada, e Fábio Moon/Gabriel .


Alguns artistas, obviamente, ficaram em suas áreas e preferiram fazer apenas uma caricatura ou uma charge, parabenizando os 50 anos de carreira de Mauricio de Sousa, o que torna ainda mais rico e diversificado o encadernado, como foi o caso de Dalcio Machado, Baptistão, Fernandes, Cau Gomez e Angeli. Quanto a esses dois últimos, uma consideração extremamente pessoal minha. A charge de Angeli mostra um personagem genérico dele (punk narigudo) com uma tatuagem do Bidu nas costas. E só. Pra mim, ou isso demonstra preguiça, falta de inspiração, ou mesmo falta de interesse de um dos mais conhecidos cartunistas do Brasil. Não sei, talvez seja só eu mesmo, cansado das egotrips mais-do-mesmo semanais de Angeli. Pois bem, comparem com a de Cau Gomez. É o conceito é quase o mesmo, mas a execução. Po, em apenas duas imagens, Cau Gomez consegue nos passar uma verdadeira história, apresentando um personagem com personalidade, ao mostrar um carinha grande sendo tatuado com o rosto da Mônica, e dando toda uma comicidade na sua narração. Excelente! Pessoalmente acho que Angeli deveria tomar o exemplo de seu colega... Valeu, Cau, muito boa!
Horácio,
o tiranossauro herbívoro existencial,
de Raphael Salimena.

Agora, algumas rápidas considerações sobre algumas das histórias destacadas e seus autores:

O Horácio de Raphael Salimena é visualmente muito massa, e a história não deixa por menos o tom que o dinossaurinho verde sempre teve. Daniel Brandão nos traz uma nostálgica visão sobre os 50 anos com toda a turma da Mônica já envelhecida. Lelis apresenta um estilo de pintura muito bem ilustrado. O traço meio "sujo" e underground de Orlandeli casou bem com a figura do Capitão Feio, numa história bem atual sobre seu sumiço e... retorno?
Capitão Feio e sujo pelo traço "feio e sujo" de Orlandeli.


Antonio Eder se permite uma auto-homenagem (como já havia feito anteriormente com o Gralha) bem divertida e com muitas referências a elementos astrológicos, matemáticos, abstratos, brincando bastante com a própria linguagem dos quadrinhos. Muito boa!

Antonio Eder subvertendo,

mais uma vez, a ordem de leitura dos quadrinhos.


Ivan Reis, desnecessário dizer, tão acostumado com capas e colantes, fez questão de mostrar super-heróis em seu conto, e é claro que eles não eram páreo para uma menininha dentuça e seu coelhinho... falando nisso, o grande desenhista da DC nos mostra uma Mônica e uma Magali lindas! (diferentemente do coitado do Cebolinha...)
Mônica e Magali,
belíssimas na arte de Ivan Reis, e um Cebolinha nem tão belo assim...


Yabu também puxa uma sardinha pra seu lado e apresenta um diferente conceito sobre a turma, interessante, sobre um futuro distópico e cheio de anagramas, hehehehe. Muito boas também as aparências de Franjinha e Marina mais realistas, por Otoniel Oliveira, falando justamente sobre desenhos.
Yabu inovando conceitos e brincando com anagramas
sobre a menina mais forte do mundo e o dono da lua.


Uma das melhores versões deste encadernado, na minha humilde opinião, foi a de Samuel Casal para a turma do Penadinho. Invertendo as cores de modo a que as sarjetas (espaço entre os quadrinhos) e a própria página ficassem em preto, conseguiu imprimir um tom mórbido ao pessoal do cemitério, muitíssimo bem estilizados, homenageando ainda el dia de los muertos mexicano. Riquíssimo. Excelente!

Todo o estilo de Samuel Casal para a turma do Penadinho.


Pra quem curte o estilo mangá, Erica Awano faz um belo trabalho, limpo, bonito. Fábio Lyra nos presenteia com um conto psicodélico, lisérgico, bem anos 70, com Rolo, Tina e o Louco. Falando no Louco, sempre adorei o personagem, e fiquei feliz em ver que muitos quadrinhistas representaram-no neste especial de aniversário, como Jean Galvão, ou Laudo, ou mesmo em participações especiais como o "curupira" da história de Julia Bax. Ainda sobre insanidades, há que se destacar o trabalho louco de Rafael Sica com o Cebolinha. Achei meio sinistro, e até meio pesado perto do tom das outras histórias, mas essa é apenas uma interpretação que tive. O conto é interessante também por isso, por abrir várias possibilidades, e não consigo deixar de imaginar uma cebola de verdade ao ver os olhos espiralados do Cebolinha...
Cebolinha mentalmente perturbado,
numa história - curiosamente, sem o Louco - de Rafael Sica.


O grande Fernando Gonsales, de quem sou fã confesso, famosíssimo por Níquel Náusea, sacaneou o próprio traço para mostrar como, mesmo não sabendo desenhar, tem sempre alguém, em algum lugar, desenhando a Turma da Mônica por aí. E quem é que nunca fez isso quando lia esses gibis na infância? Falando em infância, me chamou bastante atenção a turma do Cabeça Oca de Christine Queiroz, que não conhecia. Adorei a personagenzinha da Mariana: "A Maiana é a Monca!", muito bom! A história de Guazzelli também é sensacional. Sutil, inovadora, não apresenta nenhum personagem de Mauricio de Sousa, mas faz uma ótima homenagem envolvendo o planeta Marte... E finalmente, mas não menos importante, a belíssima história, no belíssimo traço de Vitor Cafaggi (do excelente Puny Parker), sobre um passarinho verde!

A singela e sensível homenagem de Vitor Cafaggi a Chico Bento.



A variedade de estilos é ponto alto, seja no traço anguloso e retilíneo de José Aguiar, seja no curvilíneo e redondo de João Marcos, seja no preto e branco de Mascaro, nos tons pastéis de Fido Nesti ou mesmo no colorido de Jô Oliveira.
O problema da obra, belíssima em seu conjunto, concepção e realização, é devido a toda a polêmica que envolve os Estúdios Mauricio de Sousa e a questão dos créditos de seus trabalhos. Apesar de possuir mais de 50 roteiristas e desenhistas em sua equipe, nenhum destes é creditado como autor ou artista nas revistas da Turma da Mônica. Deem uma olhada: em todas elas há apenas a assinatura de Mauricio de Sousa (apesar de, há anos, Mauricio ser criticado por ter abandanado o desenho para se tornar unicamente empresário). Questionado sobre isso, Mauricio se defende alegando que isso é para evitar acirramento de vaidades entre os da sua equipe, e também devido a problemas de copyright, pois, segundo o próprio, "um artista tendo seu nome na frente de um personagem pode, mais tarde, reclamar algum tipo de direitos sobre ele. Claro que perderá na justiça, mas é algo que não há necessidade no meu pessoal. Assim, nas minhas revistas isso não acontecerá." Engraçado que, há décadas, as grandes editoras norte-americanas trabalham indicando os devidos créditos a seus autores...
O traço torto de Fernando Gonsales
é explicado (?) em sua participação no especial de 50 anos.

Por isso minha dúvida lançada lá em cima: teriam alguns artistas aproveitado a deixa e feito uma leve cutucada na própria edição de homenagem a Mauricio de Sousa? Teria sido por isso que Fernando Gonsales, na voz de Bidu, teria escrito "Na verdade, sou um falso Bidu! Não fui desenhado nos Estúdios Mauricio de Sousa!"? Bom, talvez não.
E a ironia cabe aqui. O mais interessante do encadernado MSP 50 é justamente vermos ilustrações originais, versões novas, com traços diferenciados e pontos de vista tão singulares, com conceitos novos, de personagens tão conhecidos, pelas mãos de vários e competentes artistas nacionais, devidamente creditados.

Independente dessa polêmica toda, Mauricio de Sousa ainda é, de longe, o mais bem-sucedido quadrinhista brasileiro, e sua Turma da Mônica Jovem foi a maior jogada editorial de 2008, tornando-se indiscutivelmente o maior sucesso do mercado de quadrinhos brasileiro nos últimos anos, superando as vendagens inclusive da primeira tiragem da Turma da Mônica na década de 70.

Domingo, dia 15 de agosto - ontem! -, foi lançada durante a Bienal do Livro em São Paulo a coletânea MSP + 50, reunindo outros 50 nomes dos quadrinhos nacionais para darem suas versões e visões sobre os personagens de Mauricio de Sousa. Se repetir o nível da primeira, vai ser muito bom, e eu não duvido de que seja! Prévias aqui e aqui.





-Cube papercraft sugerido: Horácio (feito por mim mesmo, hehehe).

-Blog sugerido: Horacio Esperante (em português e em esperanto, feito por um colega brasiliense, para quem gosta de Horácio e quiser aprender um pouco mais sobre la universala lingvo).

-"HQ digital" sugerida 1: homenagem da Turma do Penadinho à morte do Michael Jackson (prévia oficial não finalizada disponível online).

-"HQ digital" sugerida 2: conto sobre encontro entre Franjinha, Astronauta, Piteco e outros (prévia não oficial não finalizada disponível online).

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Metáfora espanhola

  Eu me perdi em Madri. No caminho para me encontrar, dei a sorte de passar em frente a uma loja especializada em quadrinhos. Pedi que me mostrassem revistas de autores espanhóis. Entre as opções, lá estava Paco Roca...


Perdido

  O encadernado que levei era Las Calles de Arena, que começa justamente com o personagem principal tentando pegar um atalho para chegar a um lugar mais depressa. Ele se perdeu exatamente da mesma maneira que eu. Só que não consegue sair dali por um bom tempo. Lá começa a passar por uma série de acontecimentos absurdos e personagens surreais. Essas histórias, que compõem sua jornada para sair do bairro, são extremamente metafóricas. Uma das primeiras pessoas que ele encontra é um senhor que está tentando sair do bairro, assim como ele, só que há anos. Tem a filosofia de que "es muy importante la planificación", no intuito de estar pronto para tudo. E, por ter medo de fracassar, ele nunca começa a viaje, pois nunca acredita estar plenamente preparado.
Em um outro momento, o personagem central (que não se lembra do próprio nome, pois saiu de dentro dele um doppelgänger, um ser que perdeu sua identidade tentando achar a lógica do barrio e por isso se dedica a robar la personalidad de los demás) encontra um vampiro, vivendo há séculos e colecionando coisas. Este novo personagem é absolutamente apegado a todas as bugingandas que guarda.  Tem por todas, como diz, “mucho aprecio”. Considera todos os objetos recordações preciosas para sua vida.
 
  À medida que a história vai avançando, percebe-se que uma certa mulher parece ter várias gêmeas, que executam diversos serviços básicos no bairro. Depois o personagem principal descobre a história de um coronel, cuja mulher morreu, e ele reproduziu um clone dela. Entretanto, o clone não o amava. Então ele continuou a reproduzi-los, chamando a todas de Eva...

  Cada história, cada personagem tem sua mensagem. E mesmo dentro delas existem frases extremamente interessantes e reflexivas, como quando o vampiro diz que não fez muita coisa durante seus séculos de vida, pois tem todo o tempo do mundo; e a senhora que, perguntada qual religião segue, diz que faz rituais a uns, preces a outros, pois nunca se sabe cuál puede ser al final la verdadera.

Arrugas

  O motivo que me convenceu a levar a história do Paco Roca foi porque ele ganhou o prêmio espanhol de quadrinhos em 2008 por uma obra chamada Arrugas. Então pensei: deve ser boa também. Minha mãe voltou da Europa agora e me trouxe o encadernado de presente. A história é bem mais curta, mas tem a mesma qualidade e estilo do autor.
  Arrugas fala sobre envelhecer. O personagem principal, Emilio, é levado a um asilo logo no início da história. Ele sofre de Alzheimer. Porém, além de tratar da doença na obra, o autor a usa para falar da velhice. Ele convive com diversos outros idosos, que possuem outras doenças. Porém, a metáfora é a de que todos eles vivem no passado. Pellicer, por exemplo, vive falando da época em que foi atleta olímpico, a medalha de bronze o tempo inteiro no peito, enquanto anda de um lado para o outro... com a ajuda de um andador. A senhora Rosário acredita a todo instante estar dentro de um trem a camino de Estambul.

  A história também é repleta de frases interessantes, reflexões sobre a vida e sobre envelhecer. Miguel, melhor amigo de Emilio no asilo, e um tanto crítico em relação a tudo, questiona a necessidade de tantas pílulas e dietas e proibições, dizendo ser apenas o prolongamento de uma malvivir, já que não fazem nada no asilo além de comer, dormir e se prostrar em frente a uma televisão que exibe programas que nenhum deles quer ver.

  A qualidade da obra de Paco Roca, que agora considero como um dos melhores autores de história em quadrinhos que conheço, está na metáfora, está no detalhe, nas frases. Um resumo de suas histórias seria talvez desinteressante, pois é no transcorrer delas que se vê a riqueza que têm. Para gostar de Paco Roca, é necessário lê-lo. Arrisco-me também a dizer que, se ler, vai gostar.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Jacob, o vilão de Lost

Neste post vou retomar o conceito original do blog. Dei a ele o nome de Ficção HQ porque poderia não me ater às histórias em quadrinhos, mas ao produto de ficção que, de alguma forma, pode ser relacionado a heróis, vilões e quadrinhos. Por exemplo, a séria de TV Lost, que acabou recentemente. Existe um monte de blogs falando sobre o capítulo final. Uns defendendo engajadamente, outros atacando vigorosamente. Mas esse não é o assunto que eu quero abordar... O que vejo, com o final da série, é que o vilão é justamente aquele que posou de bonzinho. Há spoilers sobre o fim da série... Quem ainda não tiver assistido, melhor não ler.


Irmãos gêmeos

Jacob e seu irmão nasceram na ilha e rapidamente foram raptados por uma mulher, que não se sabe exatamente quem é, nem de onde veio, só que ela é uma assassina (matou a mãe dos garotos) e mentirosa (disse desde o início que era a mãe deles). É exatamente essa mulher misteriosa quem vai criar os gêmeos e ensinar tudo que eles sabem sobre a ilha. Ou melhor, tudo que eles continuam sem saber.


Desde o início, o garoto de preto (personagem sem nome da série) queria conhecer o mundo, sair da ilha. Sua madrasta nunca permitiu, dizendo que ele não poderia pois o contato com os homens o corromperia. Mesmo assim, ele queria. Buscava suas origens, tinha uma curiosidade um tanto natural sobre sua própria História. Jacob, por outro lado, era mais submisso. O garoto comportado, por assim dizer, que até tinha curiosidade, mas não desobedecia a autoridade. O de preto estava decidido, e foi morar com os seus na ilha. Reparem que ele faz o papel do questionamento. Por que não se pode sair da ilha? E sua madrasta cumpre um papel doutrinário, privando o garoto da obtenção de outras fontes de conhecimento (tanto os outros homens na ilha, quando o mundo em si). Essa história de manter uma pessoa dentro de certos limites (para seu próprio bem) lembra a história de alguém? Um certo Siddhartha, talvez, que se mantinha ignorante quanto aos problemas do mundo por não poder ir além do próprio jardim...
Ouvi dizer por aí que uma das principais temáticas de Lost é a fé. Os personagens que caem no avião são, em sua maioria, pessoas céticas, que passam por certas provações. Porém, que tipo de fé é essa a qual o garoto de preto é submentido? Fé cega? Fé que não se pode questionar? Fé que depende de não se conhecer o mundo para que não seja abalada? O que o homem de preto busca é esclarecimento. Jacob nada questiona, já seu irmão é um pensador. Note ainda que existe uma diferença entre os dois: o garoto é inventivo. Ele olha as coisas, entende seus mecanismos e faz invenções. É mais inteligente, e é um cientista. Mas não um cientista sem fé. Pelo contrário, seus conhecimentos são um tanto intuitivos. Suas invenções não são de resultado certo, apenas algo que ele espera que funcione. Ele não procura respostas filosóficas na ciência, apenas usa os conhecimentos com finalidade prática. Ou seja, não se trata de ciência X religião, pois a ciência, no caso do personagem, não aparece em contraponto com a religião. O homem de preto poderia, de qualquer forma, ter sua fé, embora não se contentasse em simplesmente adotar a fé que lhe foi ensinada pela madrasta. E que mal há em procurar o conhecimento? Contudo, ele está destinado a ficar preso à ilha, por decreto de uma estranha que matou sua mãe, tomou-o como filho e agora quer determinar o que ele pode ou não pode fazer, sem sequer apresentar um motivo.


O Homem de preto

Tudo bem, até aí é a história de origem desse personagem. E uma mesma origem pode formar um vilão ou um herói, dependendo da maneira como ele se desenvolve. O garoto foi morar com os seus, cresceu e seu único objetivo era... voltar pra casa. Parece um vilão para você? Uma pessoa que quer voltar pra casa? Uma pessoa que quer conhecer o mundo, em vez de se restringir a um pequeno pedaço de terra? Ele não quer dominar o mundo. Ele não quer usar a tal energia misteriosa em seu próprio proveito. Ele não quer explorá-la, não quer ganhar dinheiro com ela. Nada disso... Seu único objetivo era sair da ilha. E o único objetivo de sua madrasta era impedi-lo. Sabem por quê? ... Não foi uma pergunta retórica. É sério, se alguém sabe, me explique. Proteger a tal fonte da ilha? A luz amarela? Se ele pudesse simplesmente ter ido embora, ele nunca teria nem que usar a tal fonte para tentar sair de lá. E não me venha dizer que ele poderia voltar à ilha depois, mudar de ideia e usá-la, pois ele ficou rodando a ilha inteira à procura da tal fonte por anos e nunca a encontrou. Aliás, uma amiga minha salientou bem um ponto: que diabo de fonte é essa que precisa ser protegida das pessoas se as pessoas não são capazes de enxergá-la ou chegar até ela? Mas digamos que é necessária uma proteção extra, já que se pode fazer um buraco no chão e utilizar o eletromagnetismo... Beleza, o Jacob está lá pra isso.


A fumaça preta

O Jacob já explicou para os sobreviventes da ilha que o "Locke" não poderia sair porque ele é o mal. Por que ele é o mal? Ele não achava que seu irmão era o mal. Ele só passou a impedir a saída dele porque a madrasta impedia. Aprendeu a fazê-lo e, sem qualquer questionamento, seguiu o exemplo. Proteger a fonte? Proteja! É até melhor que não exista ninguém na ilha, fica mais fácil. Seu irmão nunca deu qualquer sinal de querer voltar pra lá. Mas ele pode querer, no futuro? Corrompido pela ganância dos homens do restante do mundo? Fica tranquilo, ele não consegue achar a fonte.
Entretanto, acredito que quando Jacob diz que seu irmão não pode sair, ele está mudando de motivação. Ele quer impedir porque seu irmão virou uma fumaça preta à prova de balas, que pode sair por aí matando as pessoas. Aliás, na minha interpretação da história, a luz amarela que provém da porta daquela igreja metafísica do último episódio é a mesma da ilha. E, sendo assim, a tal fonte da ilha nada mais é que o portal entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Um portal que deve ser protegido mesmo. Nessa perspectiva, o homem de preto não poderia sair porque ele já morreu. Porém... o que é necessário lembrar, independente da maneira como se vê as coisas, é que, se o problema de o "Locke" sair da ilha é porque ele se transformou em uma fumaça preta, foi o Jacob quem fez isso com ele. Foi o Jacob quem lançou seu corpo dentro da fonte e fez com que o irmão se transformasse em uma fumaça preta perigosa, ou no elo entre os dois mundos. Então, a culpa é toda do Jacob. Foi ele quem transformou o irmão em um ser ainda mais amaldiçoado.


Mais algumas facetas do vilão Jacob

A partir desse ponto, a temática principal da história passa a ser o confronto entre Jacob e o irmão sem nome. Aparentemente, um confronto entre o bem o e mal, sendo que o bem está representado pelo personagem que se veste de branco, e o mal pelo que se veste de preto. Daí em diante, pode-se dizer que o "lostzilla" se tornou um vilão, porque parou de medir consequências para sair da ilha. Passou a matar pessoas em sua forma esfumaçante no intuito de se ver livre do seu campo de concentração pessoal. Só que, volto a reiterar: foi o Jacob quem transformou seu irmão nesse monstro. Só que o próprio Jacob é um ignorante. Ele não sabe dizer por que as pessoas não podem sair da ilha. Ele não sabe dizer o que é a tal fonte. Ele não sabe dizer por que seu irmão não pode abandonar a ilha. Ele apenas segue as crenças de sua madrasta, cegamente, sem questionamento, como na parábola dos cinco macacos e o jato de água fria. Ele apenas segue ordens. E combate ferrenhamente sua contraparte: aquele que busca o conhecimento.
Além disso, analisemos um pouquinho o que o Jacob fez por conta desse confronto com o monstrinho criado por ele mesmo. Ciente de que o homem sem nome o mataria para sair da ilha, ele foi em busca de um candidato que o substituísse. Passou a acompanhar a vida das pessoas que poderiam estar aptas a essa função (embora, no caso dele, só tenham ido o irmão e ele mesmo). Então ele passou a induzir os acontecimentos. Provocou, indiretamente, a queda do avião e fez com que dezenas de pessoas caíssem na ilha, sofressem e brigassem. Uma certa parcela dos seus candidatos simplesmente morreu para que o Jacob dissesse: "É... acho que esse não estava apto a cumprir a missão. Vejamos se os outros penam mas sobrevivem...". É essa a concepção de herói da história? Uma pessoa que prende o irmão na ilha por seguir cegamente os mandos da madrasta assassina? Que o transforma em um monstro? E que depois traz dor e sofrimento a dezenas de pessoas para ver qual passa no teste de impedir que o monstro que ele criou saia da ilha e proteja uma fonte de luz que ninguém consegue encontrar, sem saber exatamente o motivo por que faz isso? Não sei quanto a vocês, mas essa é a minha visão de vilão.