sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Verifique se o Mesmo encontra-se neste andar


Meu irmão me deu de presente recentemente o álbum Mesmo Delivery, de Rafael Grampá, pela Desiderata. Já havia lido anteriormente, mas gostei de ter ganhado e mantive o presente. Porque a HQ do Grampá é muuuuito boa! A história em si é boazinha, nada de mais, mas principalmente pelos desenhos e pela narrativa, fenomenais.
O enredo segue um caminhão da empresa Mesmo Delivery, sua misteriosa carga e dois de seus funcionários através de uma autoestrada pelo deserto, parando em um motel de posto de beira de estrada para um rápido descanso. Sim, o clima e o cenário são tipicamente norte-americanos (fora o fato de ser originalmente escrita em português, a única coisa que denuncia a brasilidade do escritor e desenhista gaúcho é uma moedinha de um real deixada no balcão pelo motorista), denunciados pelas placas todas em inglês e também pelo conteúdo da fala do personagem Sangrecco, sobre Elvis:
Aqui cabem dois adendos: reparem como Sangrecco confunde o nome Shazam com o personagem Capitão Marvel, e também como, apesar de lançada em 2008, ele se refere ao Super-HOMEM, não a Superman. Corrobora muito do que eu disse anteriormente, não? E, na verdade, Elvis gostava era do Capitão Marvel Jr., não do Capitão Marvel (confiram neste ótimo post do I-Néscia).

O clima de road movie ajuda a dar o tom da história, e as cenas quase sem diálogos, apenas mostrando o ambiente, são muito bem aproveitadas. Aliás, muito rico o grau de detalhamento dos cenários criados por Grampá. O autor disse ter se inspirado, entre outras fontes, nos episódios de Além da Imaginação que assistia quando criança. Talvez não pelo caráter insólito, mas sim no twist ending que nos aguarda ao final (um pouco previsível, talvez). A paleta de cores escolhida para a história também ajuda nessa caracterização, dando um ar meio vintage, sei lá.

Mas é na arte que o talento de Grampá dá um show. Confesso que, inicialmente, não gostei muito de seu desenho sujo e meio caricato. Mas me rendi a suas tomadas impossíveis e a seus ângulos absurdos . Reparem nesse enquadramento desconcertante: Muito criativos, muito dinâmicos, e muito bem desenhados. A sequência das páginas 36 e 37 são de tirar o fôlego, literalmente! Animal mesmo, não há como descrever, só vendo e admirando! Na introdução da obra, ao falar do traço de Grampá, Lourenço Mutarelli fica reticente em usar o termo "sequência cinematográfica" pois, de acordo com o mesmo, "no fundo, o cinema bebe muito mais nos quadrinhos do que o inverso". Mas é impossível não imaginar como ficariam todas essas vistas e tomadas nas telonas com seus posicionamentos de câmera (e parece que os direitos já foram vendidos para virar filme).

Outra característica que admirei bastante foi o uso de onomatopeias como elementos de cena, seja na música preenchendo o fundo do cenário e embalando a cena, seja risos ou outros sons devidamente alocados nos quadros. Talvez Grampá tenha bebido um pouco da fonte dos mangás nesse quesito, assim como algumas cenas lentas, arrastadas, meio contemplativas. Mas não entendam mal: a HQ é altamente ágil e dinâmica, e violenta ao extremo, por mais paradoxal que isso seja. Só conferindo o material para confirmar. Grampá é brasileiro, e ganhador do prêmio Eisner pela antologia "5", e agora que a Dark Horse comprou os direitos e lançou Mesmo Delivery em inglês, só podemos ansiar por mais histórias desse grandíssimo artista. Ele foi convidado para ilustrar uma história de John Constantine escrita por Brian Azzarello pelo selo Vertigo, e fez uma capa para a revista Strange Tales, em que roteiriza e desenha uma história de Wolverine, pela Marvel Comics. O próximo projeto do autor é a revista Furry Waters, que nomeia seu blog.
Questionado sobre a escolha do nome da empresa, Mesmo Delivery, o autor emendou hilariamente o quanto ficava assustado com aquelas plaquinhas presentes em portas de elevador, que lhes serviram como inspiração:
ANTES DE ENTRAR NO ELEVADOR,
VERIFIQUE SE O MESMO
ENCONTRA-SE PARADO NESTE ANDAR.
Abaixo, deixo-os com uma ótima ilustração de Grampá do Demolidor, com seu estilo sujo que cai bem ao herói urbano, e sua explicação sobre a composição da imagem:
"Matt Murdock é filho de boxeador e por isso minha versão pro personagem é uma mistura de super-herói, boxeador e lutador wrestler. Eu nunca gostei dos gráficos em estilo “eletrônico” que alguns artistas desenham para representar o radar do personagem. Ele não é uma máquina e sempre imaginei que a representação desse radar deveria ser mais orgânica, e foi o que tentei fazer."


Artista sugerido: Elvis Presley.

Seriado sugerido: Além da Imaginação (The Twilight Zone), série clássica de 1959.

Filme sugerido 1: Encurralado (Duel, 1971), de Steven Spielberg.

Filme sugerido 2: Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country for Old Men, 2007), dos irmãos Ethan e Joel Cohen.
Filme sugerido 3: Inferno na Estrada (Retroactive, 1997), Louis Morneau.

Comunidade do orkut sugerida: