segunda-feira, 16 de agosto de 2010

M S P 5 0 e +

Ano passado Mauricio de Sousa completou 50 anos de carreira. Para comemorar o feito, convidaram 50 artistas brasileiros para fazerem algo, em seu próprio estilo, com os personagens de Mauricio, e o resultado foi o ótimo encadernado MSP 50.
O elenco de peso chamado incluía quadrinhistas, cartunistas, caricaturistas e desenhistas já consagrados e belas surpresas emergentes para homenagear a festividade. Interessante notar que, desde aquela primeira tirinha do Franjinha e Bidu, em 18 de julho de 1959, o próprio traço de Mauricio se modificou bastante, e a maior graça neste encadernado foi ver justamente personagens tão conhecidos nossos em versões as mais diversas possíveis (vejam os diferentes Chico Bento abaixo).

Chico Bento, nos traços de
Vitor Cafaggi, Erica Awano, Lelis,
Benett (em cima) e Julia Bax (os dois de baixo).

Infelizmente alguns artistas não impuseram seu estilo pessoal e resolveram imitar o próprio desenho do grupo Mauricio de Sousa, não sei se por não entenderem a proposta ou se foi a escolha deles para homenagear o desenhista, como foi o caso de Spacca e Antônio Cedraz, em sua história sobre Cascão e a seca. Ou, quem sabe, uma crítica velada? Explico isso melhor no fim do post.
A abertura, com Laerte, já inaugura o uso da metalinguagem que vai permear grande parte da obra. Falando em recorrência, o Astronauta foi, de longe, o mais ubíquo, dentre o rol de personagens a serem utilizados, figurando em 7 das 50 historinhas.

Astronauta, por
Marcelo Campos/Renato Guedes, Jean Okada, e Fábio Moon/Gabriel .


Alguns artistas, obviamente, ficaram em suas áreas e preferiram fazer apenas uma caricatura ou uma charge, parabenizando os 50 anos de carreira de Mauricio de Sousa, o que torna ainda mais rico e diversificado o encadernado, como foi o caso de Dalcio Machado, Baptistão, Fernandes, Cau Gomez e Angeli. Quanto a esses dois últimos, uma consideração extremamente pessoal minha. A charge de Angeli mostra um personagem genérico dele (punk narigudo) com uma tatuagem do Bidu nas costas. E só. Pra mim, ou isso demonstra preguiça, falta de inspiração, ou mesmo falta de interesse de um dos mais conhecidos cartunistas do Brasil. Não sei, talvez seja só eu mesmo, cansado das egotrips mais-do-mesmo semanais de Angeli. Pois bem, comparem com a de Cau Gomez. É o conceito é quase o mesmo, mas a execução. Po, em apenas duas imagens, Cau Gomez consegue nos passar uma verdadeira história, apresentando um personagem com personalidade, ao mostrar um carinha grande sendo tatuado com o rosto da Mônica, e dando toda uma comicidade na sua narração. Excelente! Pessoalmente acho que Angeli deveria tomar o exemplo de seu colega... Valeu, Cau, muito boa!
Horácio,
o tiranossauro herbívoro existencial,
de Raphael Salimena.

Agora, algumas rápidas considerações sobre algumas das histórias destacadas e seus autores:

O Horácio de Raphael Salimena é visualmente muito massa, e a história não deixa por menos o tom que o dinossaurinho verde sempre teve. Daniel Brandão nos traz uma nostálgica visão sobre os 50 anos com toda a turma da Mônica já envelhecida. Lelis apresenta um estilo de pintura muito bem ilustrado. O traço meio "sujo" e underground de Orlandeli casou bem com a figura do Capitão Feio, numa história bem atual sobre seu sumiço e... retorno?
Capitão Feio e sujo pelo traço "feio e sujo" de Orlandeli.


Antonio Eder se permite uma auto-homenagem (como já havia feito anteriormente com o Gralha) bem divertida e com muitas referências a elementos astrológicos, matemáticos, abstratos, brincando bastante com a própria linguagem dos quadrinhos. Muito boa!

Antonio Eder subvertendo,

mais uma vez, a ordem de leitura dos quadrinhos.


Ivan Reis, desnecessário dizer, tão acostumado com capas e colantes, fez questão de mostrar super-heróis em seu conto, e é claro que eles não eram páreo para uma menininha dentuça e seu coelhinho... falando nisso, o grande desenhista da DC nos mostra uma Mônica e uma Magali lindas! (diferentemente do coitado do Cebolinha...)
Mônica e Magali,
belíssimas na arte de Ivan Reis, e um Cebolinha nem tão belo assim...


Yabu também puxa uma sardinha pra seu lado e apresenta um diferente conceito sobre a turma, interessante, sobre um futuro distópico e cheio de anagramas, hehehehe. Muito boas também as aparências de Franjinha e Marina mais realistas, por Otoniel Oliveira, falando justamente sobre desenhos.
Yabu inovando conceitos e brincando com anagramas
sobre a menina mais forte do mundo e o dono da lua.


Uma das melhores versões deste encadernado, na minha humilde opinião, foi a de Samuel Casal para a turma do Penadinho. Invertendo as cores de modo a que as sarjetas (espaço entre os quadrinhos) e a própria página ficassem em preto, conseguiu imprimir um tom mórbido ao pessoal do cemitério, muitíssimo bem estilizados, homenageando ainda el dia de los muertos mexicano. Riquíssimo. Excelente!

Todo o estilo de Samuel Casal para a turma do Penadinho.


Pra quem curte o estilo mangá, Erica Awano faz um belo trabalho, limpo, bonito. Fábio Lyra nos presenteia com um conto psicodélico, lisérgico, bem anos 70, com Rolo, Tina e o Louco. Falando no Louco, sempre adorei o personagem, e fiquei feliz em ver que muitos quadrinhistas representaram-no neste especial de aniversário, como Jean Galvão, ou Laudo, ou mesmo em participações especiais como o "curupira" da história de Julia Bax. Ainda sobre insanidades, há que se destacar o trabalho louco de Rafael Sica com o Cebolinha. Achei meio sinistro, e até meio pesado perto do tom das outras histórias, mas essa é apenas uma interpretação que tive. O conto é interessante também por isso, por abrir várias possibilidades, e não consigo deixar de imaginar uma cebola de verdade ao ver os olhos espiralados do Cebolinha...
Cebolinha mentalmente perturbado,
numa história - curiosamente, sem o Louco - de Rafael Sica.


O grande Fernando Gonsales, de quem sou fã confesso, famosíssimo por Níquel Náusea, sacaneou o próprio traço para mostrar como, mesmo não sabendo desenhar, tem sempre alguém, em algum lugar, desenhando a Turma da Mônica por aí. E quem é que nunca fez isso quando lia esses gibis na infância? Falando em infância, me chamou bastante atenção a turma do Cabeça Oca de Christine Queiroz, que não conhecia. Adorei a personagenzinha da Mariana: "A Maiana é a Monca!", muito bom! A história de Guazzelli também é sensacional. Sutil, inovadora, não apresenta nenhum personagem de Mauricio de Sousa, mas faz uma ótima homenagem envolvendo o planeta Marte... E finalmente, mas não menos importante, a belíssima história, no belíssimo traço de Vitor Cafaggi (do excelente Puny Parker), sobre um passarinho verde!

A singela e sensível homenagem de Vitor Cafaggi a Chico Bento.



A variedade de estilos é ponto alto, seja no traço anguloso e retilíneo de José Aguiar, seja no curvilíneo e redondo de João Marcos, seja no preto e branco de Mascaro, nos tons pastéis de Fido Nesti ou mesmo no colorido de Jô Oliveira.
O problema da obra, belíssima em seu conjunto, concepção e realização, é devido a toda a polêmica que envolve os Estúdios Mauricio de Sousa e a questão dos créditos de seus trabalhos. Apesar de possuir mais de 50 roteiristas e desenhistas em sua equipe, nenhum destes é creditado como autor ou artista nas revistas da Turma da Mônica. Deem uma olhada: em todas elas há apenas a assinatura de Mauricio de Sousa (apesar de, há anos, Mauricio ser criticado por ter abandanado o desenho para se tornar unicamente empresário). Questionado sobre isso, Mauricio se defende alegando que isso é para evitar acirramento de vaidades entre os da sua equipe, e também devido a problemas de copyright, pois, segundo o próprio, "um artista tendo seu nome na frente de um personagem pode, mais tarde, reclamar algum tipo de direitos sobre ele. Claro que perderá na justiça, mas é algo que não há necessidade no meu pessoal. Assim, nas minhas revistas isso não acontecerá." Engraçado que, há décadas, as grandes editoras norte-americanas trabalham indicando os devidos créditos a seus autores...
O traço torto de Fernando Gonsales
é explicado (?) em sua participação no especial de 50 anos.

Por isso minha dúvida lançada lá em cima: teriam alguns artistas aproveitado a deixa e feito uma leve cutucada na própria edição de homenagem a Mauricio de Sousa? Teria sido por isso que Fernando Gonsales, na voz de Bidu, teria escrito "Na verdade, sou um falso Bidu! Não fui desenhado nos Estúdios Mauricio de Sousa!"? Bom, talvez não.
E a ironia cabe aqui. O mais interessante do encadernado MSP 50 é justamente vermos ilustrações originais, versões novas, com traços diferenciados e pontos de vista tão singulares, com conceitos novos, de personagens tão conhecidos, pelas mãos de vários e competentes artistas nacionais, devidamente creditados.

Independente dessa polêmica toda, Mauricio de Sousa ainda é, de longe, o mais bem-sucedido quadrinhista brasileiro, e sua Turma da Mônica Jovem foi a maior jogada editorial de 2008, tornando-se indiscutivelmente o maior sucesso do mercado de quadrinhos brasileiro nos últimos anos, superando as vendagens inclusive da primeira tiragem da Turma da Mônica na década de 70.

Domingo, dia 15 de agosto - ontem! -, foi lançada durante a Bienal do Livro em São Paulo a coletânea MSP + 50, reunindo outros 50 nomes dos quadrinhos nacionais para darem suas versões e visões sobre os personagens de Mauricio de Sousa. Se repetir o nível da primeira, vai ser muito bom, e eu não duvido de que seja! Prévias aqui e aqui.





-Cube papercraft sugerido: Horácio (feito por mim mesmo, hehehe).

-Blog sugerido: Horacio Esperante (em português e em esperanto, feito por um colega brasiliense, para quem gosta de Horácio e quiser aprender um pouco mais sobre la universala lingvo).

-"HQ digital" sugerida 1: homenagem da Turma do Penadinho à morte do Michael Jackson (prévia oficial não finalizada disponível online).

-"HQ digital" sugerida 2: conto sobre encontro entre Franjinha, Astronauta, Piteco e outros (prévia não oficial não finalizada disponível online).

2 comentários:

Loot disse...

Adorei, precisamente por tudo o que dizes. Os diferentes estilos aplicados a turma. Quando vi a prancha da turma do penadinho desse livro exposta no festival da Amadora disse logo que tinha de comprar.

E foi engraçado ver que muitos artistas escolheram o Louco e o Astronauta para retratar.

Muito bom texto. Exploras bem o livro em questão e aguças o apetite a quem não conhece.

Abraço
O louco e o cebolinha juntos é aquela base, um clássico.

Estou curioso em relação a este 2º volume, tenho de ver se o arranjo.

Anônimo disse...

Valeu, Loot. O Louco é um dos meus personagens favoritos! Muito legal saber que a Turma da Mônica também é bastante conhecida em Portugal.
Uma curiosidade: coincidentemente, o jornalista André Forastieri, no mesmo dia em que escrevi este post, postou também em seu blog artigo tratando sobre o fato de Mauricio de Sousa não escrever nem desenhar nenhuma das histórias que estão com sua assinatura nas bancas e jornaleiros. Ele ainda ressalta, muito bem, a dificuldade de se buscar ler mais histórias sobre um roteirista dos Estúdios Mauricio de Sousa do qual tenha gostado, pois não há como saber quais revistas possuem histórias escritas por ele ou não, não há como saber quais roteiros são de um autor de que tenha gostado ou não, devido à falta dos devidos créditos nas revistas da Turma da Mônica. O link está logo aqui para quem quiser acompanhar o artigo, que fica como sugestão também: http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2010/08/16/por-que-tomas-nao-le-mais-o-cebolinha/