domingo, 22 de abril de 2018

Try the Red One (final)

(WARNING: Leiam antes as partes 1, 2 e 3 desta série de posts; não vão se arrepender)

Putaqueopariucaralhoporra! 
Que momento massa! Que construção da porra eles conseguiram durante umas três edições, te levando a crer que o fiodaputa era cego, a história inteirinha o DD narrando te fazendo acreditar que ele era mesmo, pra num único quadrinho ele mandar essa frase matadora e do mal... Quando li essa parada a primeira vez fiquei tão chocado que joguei na internet o "try the red one" e vi o qto o pessoal na web também se amarrou, considerando um dos momentos mais marcantes nos quadrinhos do ano, etc. 
Acreditam que Mark Waid chegou pro artista Chris Samnee e disse que tinha sonhado com essa frase, só essa, e que agora ele queria inventar uma história pra poder chegar até essa frase... Well done!
Bom, era isso que queria mostrar, essa construção, pouco a pouco, criando o ritmo e moldando o clima. Confesso que eu mesmo quando li me peguei prendendo a respiração por alguns segundos e pensando "f*d&u..." e devia estar de olhos arregalados igual o DD naquele quadrinho seguinte. Adoro ter essas sensações lendo, e quem nÃo? Espero ter passado o clima também pra vocês, mesmo cortando a história quase toda... 
Não quero contar mais pra não estragar a surpresa, afinal de contas só mostrei uma parte da história (a porrada entre os dois dura umas 11 páginas, e só mostrei umas 5), e fora isso tem todo o lado do Foggy Nelson e da amiguinha do Matt e as historinhas paralelas, tem quem é o vilão responsável por criar o Ikari e ter mandado ele contra o Demônio, por que ele fez isso, todo o metaplot que já vinha sendo montado desde a edição 1...
Queria ressaltar ainda que Mark Waid e seus artistas conseguem mostrar um conjunto de momentos em que os hipersentidos do herói são highlighted como também em outros são postos à prova. Umas belas mostras do uso deles no meio visual dos quadrinhos está nas capas , mostrando como seria "ver" o mundo auditivamente, principalmente na da primeira edição:


Reparem em como o som característico de cada objeto ou elemento do cenário (como o bater de asas dos pombos ou o barulho do líquido dentro da caixa d'água ou o sibilar da fumaça subindo) serve para traçar o contorno do mesmo. Brilhante representação! 

 Como também no quadro abaixo de Marcos Martin, onde cada microquadrinho ressaltado por cores demonstra um sentido diferente percebendo o ambiente (sutil, mas excelente):

Dá para se demorar bastante atribuindo nossa própria memória sensitiva sensorial a cada representação, como os quadros brancos evocando cheiros (da fumaça que sai do escapamento, do cabelo esvoaçante da menina, do dejeto em que Foggy quase pisa, da pizza no interior do bagageiro do entregador na moto...). Há ainda as representações do radar de Matt "tocando" as coisas no cenário (percebam bem que há uma gag visual bem danadinha*...). 
Ademais, as demonstrações dos hipersentidos de Murdock ao longo da série são um show à parte:

*Aliás, uma boa tradução para Daredevil em português, mantendo os dois "D", seria Danado, não...? Claro que em relação ao significado original da palavra, relativa a danação, fazendo alusão ao uniforme do herói, e não em relação ao sentido que hoje é o associado mais comum no Brasil, kkkkkk. Embora a personalidade de mulherengo do advogado casaria bem com essa. Bom, talvez Destemido fosse mais condizente com o significado em inglês, mas perderia o jogo de palavras com o "devil" e a associação com o chifre e o vermelho e toda a parte culpa católica do personagem... Mas ambas seriam bem melhores que o demolidor (?) que foi utilizado, mas... estou divagando.

 O que posso deixar pra vcs é que, no Brasil, a história foi publicada em Demolidor #4 (2014), e a história original em Daredevil v3 (2011-2014) #25. Quem quiser que procure e vá ler!

Mas, para quem quiser saber mais apenas do resultado da luta... Só posso adiantar que a porrada em si termina meio anticlimaticamente assim:
Agora quem é honesto o suficiente pra admitir que também sentiu a respiração presa nem que seja por alguns milissegundos e pensou "pqp" na hora do "Try the red one"? 
Hein?

sábado, 21 de abril de 2018

Try the Red One (parte 3)

Retomando do cliffhanger deixado no post anterior, e parafraseando Bátima Feira da Fruta: "O pau come solto lá fora". Vou deixá-los apreciar algumas páginas do embate entre os dois antagonistas com supersentidos e a tentativa do DD em sobrepujá-lo:
















...!
!!
!!!



(Contifuckingnua, po!)

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Try the Red One (parte 2)

Primeiramente, antes de continuarmos a história, um quebra-gelo cômico com um sagaz comentário de um passageiro de ônibus figurando ao fundo:


E a Nelson & Murdock continua recebendo ameaças, das formas mais imprevisíveis possíveis, como este engradado que chega no prédio da firma de advocacia onde Matt trabalha:



A carga trazida dentro dos caixotes, surpresa, é viva! E o pior, os animais também sofreram o processo pelo qual os capangas do post anterior passaram, pois como todo bom teste de substâncias e procedimentos envolvendo seres vivos, antes de testar em humanos:





Os bichinhos são despachados também sem muito esforço. Depois de mais um quadro excelente usando os vários sentidos do Demolas de forma bem legal (mais sobre isso depois) graças ao desenho e cores de Javier Rodriguez, ele é levado a ir parar num lugar bem conhecido seu (reparem no uso de cores diferentes para ressaltar cada sensação diferente percebida pelo Homem sem Medo; é quase sinestésico para nós, que não possuímos a hipersensibilidade do herói).  






O uso de elementos tão familiares ao histórico pessoal de Matt Murdock é só mais uma ferramenta para desestabilizá-lo, então o vilão se apresentar com cores e padrão de vestimenta que relembra o primeiro uniforme do Demolidor também é intencional neste efetivo. 
E é aí que a p*##@ fica séria!

(Continua...)

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Try the Red One (parte 1)

Pacing. Em quadrinhos, especificamente, é uma das mais importantes características para se contar uma boa história. Vou mostrar pra vocês o significado de pacing, como construir uma narrativa e um suspense, a partir desse arco do Demolidor de Mark Waid, que uso como exemplo, que começa assim:





Toda a narração nos recordatórios, reforçada pelas imagens tão arraigadas já na memória daqueles que conhecem o personagem, nos leva a crer que o que estamos vendo sendo recapitulada é a origem do DD, mas... Apesar de os recordatórios realmente serem uma recordação do próprio Demônio, as imagens em realidade seguem um evento acontecendo atualmente, em outro lugar.




 Alguém que conhece muito bem Matt Murdock começa a tentar replicar o acidente que criou o Demolidor, testando em cada vez mais cobaias todas as variáveis do fatídico dia... 




Criando inimigos que depois joga em cima da população e em cima do próprio Homem sem Medo também, como nesta festa, em que um grupo de pessoas com olhos vendados ataca...







A constatação maior, porém, ocorre pouco depois durante a luta contra eles, quando um dos vilões se esquiva de um modo muito familiar:


Demolidor consegue se livrar deles, apesar da confusão inicial, com certa facilidade. Maiores perigos viriam depois, porém... Para vocês pegarem bem o conceito de pacing, peço um pouco de paciência, hehehe, e me sigam nos próximos posts enquanto acompanhamos todo o desenrolar da trama.

(Continua...)

terça-feira, 10 de abril de 2018

Memento Meia-Noite: uma excelente narrativa de trás pra frente

Mais uma história em quadrinhos usando a técnica de ser mostrada/lida de trás pra frente*. Por incrível que pareça, eu li essa menos de uma semana depois de ter lido a do Grayson, e cheguei nela de um meio completamente independente. Sincronicidade ou coincidência do kct, mas vamos lá.


O que você precisa saber:

Meia-Noite é um personagem claramente inspirado no Batman, só que ainda mais modafóca badass que o Morcegão. Sua marca registrada é intimidar seus adversários antes mesmo de a luta começar expondo seu poder com uma frase mais ou menos como "Eu já lutei essa luta um milhão de vezes, de milhares de formas diferentes, na minha cabeça, e já sei como ela termina antes mesmo de você dar seu primeiro golpe".
Ah, e ele é casado com outro personagem claramente inspirado no Super-Homem, o Apollo.

E é aqui que a história começa. Assim, pá bum, logo na primeiríssima página, um "batman" e um "super" se beijando (haters gonna hate, hate, hate...). Reparem na Terra ao fundo e nas cartas voando ao redor. E já dá a dica nas primeiras palavras da história: FIM

 Na página seguinte, vemos Meia-Noite chegando e Apollo construindo um castelo de cartas. Reparem no brilho no planeta ao fundo quando Meia-Noite aperta um botão. E na frase do protagonista: "o futuro já aconteceu, meu nego".

Somente na terceira página que você começa a perceber que diabos tá rolando (bom, pelo menos só aqui que eu saquei a jogada, kkk). Meia-Noite chega na Balsa (a sede do Authority, onde o marido dele está esperando) atravessando uma Porta e continuando seu momentum de queda:

 A página seguinte apresenta Meia-Noite, em queda livre, tentando acionar a tecnologia de teleportação (chamada simplesmente "Porta") enquanto cai. Agora sim você tem certeza de que a história tá sendo contada de trás pra frente (bom, eu tive). Na página logo após o autor até joga com a expectativa e a curiosidade do leitor, antevendo o que vem pra frente (frente fisicamente falando; ou pra trás cronologicamente falando):

  Cinco páginas de luta nos ares depois (ou antes?), mostrando mais do quanto o cara é fodão, nós chegamos ao momento anterior em que Meia-Noite ainda está no topo do Burj Al Arab (aquele hotel bonitaço cartão-postal de Dubai). Lá em cima, antes de se jogar, ele faz seu famoso discurso expondo suas capacidades de antevisão:

As páginas passam, mostrando todo o caminho que Meia-Noite fez pelo prédio até chegar ao topo, inclusive mostrando ele plantando uma bomba na parede de uma ala superior (aquela mesma que lá na frente depois, ou algumas páginas antes, ele explode apertando o botãozinho enquanto fala com Apollo). E então chegamos no momento massavéi, em que Meia-Noite, cercado por 10 guarda-costas ciberneticamente modificados, vai dando conta de um por um enquanto canta "10 Indiozinhos" (mas de trás pra frente), and then there were none

Finalmente chegamos na parte em que a vilã da história conta seu plano maligno a la vilão de James Bond e finalmente entendemos o que diabos Meia-Noite foi fazer naquele hotel invadindo-o. E cabe ainda mais um momento pra atiçar nossa curiosidade quando, logo no primeiro quadrinho, um inimigo solta um "Essa foi a coisa mais nojenta que eu já ouvi na vida", e nos deixa ansiosos pra terminar logo de ler a página inteira pra virar a folha e saber qual foi a frase que o deixou ojerizado assim:

Também nos é mostrado por que diabos Meia-Noite teve que abrir caminho até o topo do prédio e de lá saltar em queda livre, pois esse campo de força digital impedia que ele ativasse uma Porta e se teletransportasse pra fora quando quisesse. Por fim, na penúltima página Meia-Noite expõe o jogo e o mote inteiro da história, pois ele é o cara que "vai direto pra última página do livro antes de lê-lo"; afinal de contas, é assim que seu cérebro funciona. Ele calcula todos os outcomes possíveis antes de acontecerem. Repare na alusão final ao "castelo de cartas ruindo" logo quando ele cita terminar o dia fazendo amor com seu marido (castelo de cartas que ruirá no futuro, ou seja, lá nas primeiras páginas):

E chegamos assim à última/primeira página da história, com o título e os créditos e tudo o mais, e a afirmação que fecha/inicia?/sintetiza tudo:
Dessa forma o escritor nos permite, numa edição, ver o mundo exatamente como Meia-Noite o vê, processando a história exatamente como o cérebro do protagonista a processa, já antevendo o final de tudo antes mesmo de começar. Massa, não?
O mesmo efeito de Amnésia e da história do Grayson que eu mandei anteriormente, mas aqui servindo não só à estética mas também ao próprio funcionamento da cabeça do herói do título. Bem bolado, bem bolado... 
A história saiu na série Midnighter (2007), ainda pelo selo Wildstorm, escrita por Brian K. Vaughan. 

* Com bem pontuou meu amigo Guilherme, na verdade: "essa história e a do Asa Noturna são bem distintas. Essa daqui é, realmente, contada de trás pra frente. A do Asa não tem linearidade cronológica. E não é que ela deva ser lida de trás pra frente, é mais que as informações que foram dadas no final da história fazem com que a gente queira ir voltando. Poderia ser fazer uma segunda leitura, do início para o fim mesmo, tipo a segunda vez que a gente assiste Sexto Sentido, depois que sabe todas as informações".