quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Soneto ao senhor do sonhar


Pertinho do virada, fecho o ano com um homenagem.
Sem mais delongas, eis o poema que escrevi...






segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Da Pérsia, com carinho

Aproveitando a visita que o presidente do Irã, Ahmadinejad, fez mês passado ao Brasil, vou falar sobre algo relacionado ao seu país, como o conheci por meio de Marjane Satrapi, em sua obra Persépolis.
Esta é uma daquelas obras despretensiosas, mas reveladoras, ou pelo menos o foi para mim. Assim como O Caçador de Pipas nos mostra um Afeganistão tão parecido e ao mesmo tempo tão diferente do nosso país, Persépolis faz o mesmo ao nos aproximar tanto do povo persa (e não árabe, como no Caçador de Pipas), paradoxalmente mostrando-nos o quão distante aquele país está do nosso também. Paralelo que traço também com o livro De Cuba, com Carinho, nas palavras da blogueira Yoani Sánchez (que retrata por sua vez sua própria ilha): "Se não fosse pelo véu negro sobre o cabelo e a presença constante da religião, pensaria que Persépolis conta a história da Cuba onde eu tenho vivido. Especialmente no que se refere à tensão, à constante menção do inimigo externo e à hagiografia em torno dos caídos". Marjane Satrapi começa com sua infância, em que estava durante a Revolução Islâmica de 1979, quando, de um ano para o outro, subitamente se viu obrigada a vestir véu em público e se viu afastada de seus amigos meninos na escola. E nos conta a sua visão pessoal, de uma menina, sem entender tudo aquilo que era obrigada a aceitar. A sorte da menina era que seus pais tinham uma boa condição de vida, eram cultos e estudados, e tinham uma consciência política muito forte, um pensamento à frente e moderno que muitos de seus conterrâneos e contemporâneos não possuíam. Sendo assim, a menina não cresceu alienada e foi educada lendo sobre Descartes, Marx, Gandhi, Fidel e muitos outros, além da boa educação em francês que obteve, futuramente importante em sua vida.

Uma infância normal, assim como a de qualquer garoto daqui do Brasil, com suas brincadeiras, seus amiguinhos, sua família. Mas marcada pela presença da ditadura repressora do regime pós-revolução. Interessante ver as restrições e proibições impostas, como o não uso de gravatas, símbolo ocidental, e a exposição mínima do corpo da mulher.

E assim acompanhamos o desenvolvimento autobiográfico da autora, numa época tumultuada por que passava, apresentando-nos o dia a dia no Irã enquanto crescia. Como conheceu um tio, de quem se orgulhava, e como este foi executado como se fosse "um espião russo". Como se desfez de alguns sonhos de infância quando a embaixada norte-americana foi fechada ou quando fecharam as universidades do país. E a tão conhecida guerra Irã-Iraque, que perdurou durante tanto tempo e acompanhou uma boa parte de sua vida.

Enquanto o país se acabava (e acabava com seus jovens) na guerra, Marjane nos mostra o mundo por trás de tudo, a vida real, como sua primeira festinha de rock, vestida de punk, em seu auge na época. Isso é um ponto alto da história: mesmo com costumes por vezes tão distintos dos nossos, em muito o povo iraniano era igualzinho ao brasileiro, ou a qualquer outro do mundo. A portas fechadas, as famílias faziam festas e chamavam os amigos, nas quais bebiam vinho, coca-cola e ouviam música para dançar. Vemos como, mesmo com a repressão do regime contra tudo o que fosse ocidental, e portanto decadente e desmoralizante, ainda havia um "tráfico ilícito" de fitas cassete de Michael Jackson, da Madonna, do Pink Floyd, ou até mesmo de hambúrgueres e salsichas. Engraçada, de tão cotidiana, a passagem em que seus pais trouxeram escondidos um pôster do Iron Maiden para a menina.

"O que é isso? Michael Jackson, o símbolo da decadência?"
"É Malcom X, líder dos negros muçulmanos americanos."
"Está zombando de mim? É o Michael Jackson!"
"Quem? Não conheço..."
"Naquela época o Michael ainda era negro."

Como todo regime totalitário, o iraniano usava de dissimulação e falseava fatos, fingindo vitórias nas batalhas contra o vizinho Iraque e enaltecendo grandes bombardeios ao inimigo. O pai de Marjane, desconfiado, sempre verificava a veracidade das informações oficiais ouvindo a BBC. Num desses bombardeios, uma casa no fim de sua rua foi destroçada, e assim ela teve seu primeiro contato direto com a morte.

Com a linha-dura do regime se fortalecendo cada vez mais, seus pais decidem mandá-la para a Europa, onde ela vai estudar em um liceu francês em Viena. A partida foi dolorosa para pais e filha. Aqui começa outra fase de sua história, em que passa a morar sozinha, ainda adolescente, num outro continente, sem saber falar o alemão, sendo muitas vezes discriminada por lá.

Na Áustria ela conheceu gente de todo lugar do mundo, e atraiu interesse de muitos, "alternativos", por já ter conhecido a guerra e já ter visto a morte de perto. Interessante a relação dela com um pseudointelectualoide revolucionário-wannabe: o garoto adorava posar de superior em cima de todo mundo, expondo a futilidade da vida capitalista de todos frente ao grande panorama mundial, e toda aquela retórica ideológica vazia e demagógica a que nos acostumamos ouvir na universidade (sempre tem um tipinho assim), mas ficava pianinho perto da Marjane. O que ele tinha só de teoria, ela tinha vivenciado na prática, e perto dela costumava sempre calar a boca.

Lá ainda ela passa pelos descobrimentos da adolescência, descobrimento do próprio corpo, da sexualidade, do mundo, das drogas, etc. Muito boa sua reação à "primeira festa anarquista" de que participou. Nada de engajamentos de revolucionários, apenas um bando de jovens e adultos brincando e correndo uns atrás dos outros... Hilária também a passagem em que demonstra para nós as transformações pelas quais passou entre os 14 aos 18 anos, e como seu corpo "se deformou", alterando proporções e tudo o mais. Quando foi visitá-la, sua mãe chegou mesmo a não reconhecê-la. O desenho de Marjane é simples, sem grandes pretensões, mas funciona para ilustrar sua história.

Sozinha e estrangeira, com a ajuda das drogas e de decepções amorosas, acompanhamos como ela foi ao fundo do poço e quase faleceu. Ela decide então voltar. Com tanta bagagem já adicionada em seu histórico pessoal, e com tão pouco em comum com aquela garota que partiu, a volta foi dura e penosa. Acostumada a certas liberdades europeias não permitidas no Irã, a readaptação também foi difícil. Principalmente com relação à falsa moralidade existente do regime. Por exemplo, enquanto corria para pegar um ônibus, os guardiões da revolução a pararam e pediram para parar de correr, pois "seu traseiro fazia movimentos impudicos":

Andando por Teerã, não se via cartazes de promoções espalhados pelos prédios, mas cartazes exaltando os mártires de guerra. Suas amigas, adultas agora, todas maquiadas, com penteados e permanentes, querendo parecer as mais ocidentais e modernas possíveis, mas escondendo tradicionalistas enrustidas por dentro, invejosas das experiências vividas por Marjane na Europa, algumas vezes tratando-a como puta. Depois de alguns anos, não se sentindo mais parte daquele lugar, ela decide ir morar na França, com o apoio dos pais e da avó. Mas desta vez a despedida não foi em tom de tristeza, mas em tom de alegria. Assim é Persépolis, a história de vida de uma iraniana que passou pela revolução, passou pelo exílio, e passou pelos costumes duros de seu país para com as mulheres. Uma história de vida, cheia de drama, mas também de humor, como qualquer outra, repleta de realismo e veracidade, mas cujo contexto nos apresenta uma bagagem cultural enorme sobre o Irã e o povo persa, e de certa forma sobre o mundo da época.

"Quanto mais o tempo passava, mais eu tomava consciência do contraste entre a representação oficial do meu país e a vida real das pessoas, aquela que acontecia atrás das paredes."

Marjane mora hoje na França, de onde escreveu e desenhou Persépolis, primeiramente em francês, mas que depois foi traduzido para vários idiomas, tornando-se conhecida como a primeira quadrinhista iraniana. Persépolis virou animação em 2007, recebendo prêmios em Cannes, e sendo indicada ao Oscar de melhor animação. Recentemente, dois jovens iranianos, com a autorização de Marjane Satrapi, utilizaram os desenhos de Persépolis e criaram uma versão "2.0", denunciando as fraudes nas eleições presidenciais do Irã, em que venceu Mahmoud Ahmadinejad (por coincidência, se não me engano o presidente iraniano esteve no Brasil no dia do aniversário da autora).


- Livro sugerido 1: O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini.

- Livro sugerido 2: De Cuba, com Carinho, de Yoani Sánchez.

- Blog sugerido: Generacíon Y (www.desdecuba.com/generaciony).

- Animação sugerida: Persépolis (Persepolis, 2007).

- Jogo sugerido: Prince of Persia.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Justiceiro - em zona de guerra





Recentemente assisti ao novo filme do Justiceiro... Não ficou sabendo? Talvez porque não tenha ido para os cinemas, mas direto para o DVD. E mesmo o DVD não teve lá muita divulgação... Enfim, eu assisti. E entendi porque não tinha ficado sabendo da existência do filme antes: em geral não fazem publicidade de filmes tipo B.


Violência gratuita e surreal

O filme abusa de cenas de pancadaria desnecessária e violência impossível. É tosco! O Justiceiro arranca cabeça de um com uma facada, enfia a lâmina na parte de cima do crânio de outro e mata mais um, na mesma cena, enfiando o pé de uma cadeira na cabeça dele com um chute. Sentiu?

O filme todo é um clichê de anti-herói, desses que a gente assiste anos depois e morre de rir. Chamo a esse tipo de filme de paródia não-intencional: o cara trabalha todos os elementos de clichê e exagero que poderiam classificar o filme como uma paródia, só que ele não teve a intenção de fazer uma paródia, mas a de fazer um trabalho sério. Não faz mal, a gente ri da tosquice do filme assim mesmo, principalmente quando a roupa dos atores e toda a forçação na história já não forem considerados comuns daqui a alguns anos. Tem uma cena realmente hilária: uns capangas estão brincando de le Parkour no alto dos prédios (até agora não entendi qual é o propósito disso dentro da narrativa) e um deles, quando pula dando uma cambalhota no ar, leva um míssil em pleno ar! É sério. Até os outros capangas que estavam com ele arregalam os olhos, sem acreditar que o Justiceiro realmente foi tão tosco assim. Não está acreditando? Veja por si mesmo: http://www.youtube.com/watch?v=RUv1NfYGYyU

Retalho e Coringa

O que foi bom no filme, na minha opinião, foi uma referência ao Coringa interpretado pelo Jack Nicholson (imagino que tenha sido uma referência. Se não foi, o roteirista tem uma incrível habilidade em fazer coisas não-intencionais, para o bem e para o mal). Particularmente gosto de referências, não sei se deu para notar aqui no blog, re-re-re. O vilão do filme é o Retalho. Durante uma luta entre ele e o lunático... digo, o herói... digo, o anti-herói tosco... É o seguinte: no início do filme o Justiceiro acerta um mafioso, que cai em um triturador de vidro. Isso o dilacera por inteiro. Um cirurgião reconstrói seu rosto. Em seguida, o médico o desenfaixa. O mafioso usa um espelho de mão só para ver o quanto ficou desconfigurado. Com sua sanidade abalada, ele adota o codinome Retalho. Reconhece essa história de algum lugar? Em vez de um triturador de vidro, um caldeirão com produtos químicos? Em vez de Retalho, Coringa? Já na aparência, Retalho se assemelha mais ao Coringa interpretado por Heath Ledger.

Em resumo, minha opinião sobre Justiceiro - Em zona de guerra é a de que ele segue o mesmo padrão do filme do Justiceiro lançado há alguns anos, só que praticamente sem enredo, defeito que tentam preencher (sem sucesso) com cenas brutais de sangue desmedido.

Filmes recomendados: Ruas de Fogo (excelente exemplo de paródia não-intencional nos dias de hoje). Justiceiro – Em zona de guerra (excelente exemplo de paródia não-intencional de amanhã).