quinta-feira, 29 de março de 2018

Grayson Memento: uma excelente narrativa não-linear

Tenho que compartilhar essa! Se vcs gostam de mecânicas narrativas diferentes, vcs vão curtir essa HQ, muito bem planejada e executada. Escrita por Tom King (autor da estupenda série do Visão, recomendadíssima). 
O contexto1:
Abandonando o uniforme de Asa Noturna, o ex-Robin Dick Grayson passou a trabalhar como espião juntamente com sua parceira/chefe Helena Bertinelli para um grupo chamado Spyral. Esse é o mote da revista mensal chamada Grayson, que trazia essas suas novas aventuras.
O contexto2:
Alguma danada de alguma saga anual da DC (que não importa muito) trazia como mote algo como uma invasão de parademônios na Terra e mostrava como, daqui a cinco anos no futuro, iriam estar alguns heróis da editora (o que não necessariamente seria verdade daqui a cinco anos, mas tudo bem). 
Isso é tudo o que vcs precisam saber até então. Aconteceu no tie-in Grayson: Futures End, de 2014. 

A história abre com a chamada de cinco anos a partir de hoje, e vemos Helena Bertinelli falando com Dick enquanto este está suspenso pelo pescoço por uma corda, sendo enforcado até não conseguir mais resistir. 
Na página seguinte, a chamada apenas nos diz "Earlier". E vemos Dick sendo condecorado como herói da Eurásia pelo então Presidente da Federação Russa por sua participação na guerra entre os mundos (seu uniforme lembra muito o de seu ex-colega Titã, Estrela Vermelha). E, logo em seguida, atacando-o e estrangulando-o até a morte. Na frente de todos. E Helena desesperada alertando: "Eles vão enforcá-lo. Eu vou ter de enforcá-lo". Mais à frente descobrimos que o agora Presidente russo era o antigo vilão do Batman, KGBesta (êta nomezinho véi besta, sô!).


Antes. Vemos a imagem de uma destruição generalizada, corpos espalhados aos montes, cidade em ruínas, equipes de emergência tentando cuidar de sobreviventes. E Dick Grayson abraçando e confortando um recém-orfão nos braços cantando uma música de seus tempos de trapezista tentando desviar sua atenção de toda a tragédia ao redor. Descobrimos que milhões de inocentes morreram gratuitamente por ordem deliberada do Presidente (a Besta), com a ajuda da Spyral - e de Grayson e Bertinelli.



 Antes. Enquanto estão derrotando os parademônios, Helena insiste em que Grayson lhe conte como fez "aquele lance ", já que eles podem morrer agora. Dick conta então que carrega consigo um ácido especial que não deixa traços, e que mantém ele em um pote sempre debaixo de sua cama(?!). 



 Antes. Escalando um prédio pendurados numa corda (como num bom seriado de super-herói da década de 60), Helena conversa com Dick. Após ouvi-la citar a palavra "Vividamente", Dick questiona "Você está usando o Código do Mestre das Pistas, não é?". E logo em seguida ele a responde, no último quadrinho da página.

Antes. Pendurados e presos numa armadilha (digna também de supervilões de seriados da década de 60), Dick começa a rir do nada após escutar quatro frases de Helena. A única explicação que ele dá é sobre um caso antigo com o Batman, e que desde então ele sempre não consegue evitar de aplicar: um tal de Código do Mestre das Pistas. Mais sobre isto à frente. Ele promete algum dia no futuro contar a ela. 


 Antes. Numa missão para a Spyral, Dick consegue fazer com que uma ponte caia, e Helena fica intrigada como ele conseguiu fazer isso. Dick fala que é apenas um truque de circo e que um dia, antes que eles morram, vai contar para ela. Helena conta para Dick também sobre um código de espiões. Quando ela falar "o telhado", significa que é para se largar tudo e correr para o ponto de extração para a retirada e fuga. 


AntesDick está ainda como Robin e, ao lado de Batman, tentam decifrar as pistas que o Mestre das Pistas está apresentando para detê-lo (como todo bom vilão de seriado década de 60). Ele desvenda o assim chamado Código do Mestre das Pistas. "As respostas estão na frente de vocês". Ele junta a primeira letra de cada frase e obtém SPRANG. Ele vai atacar na Ponte Sprang (só mais um exemplo da tradição de dar nomes de algumas localidades de Gotham de acordo com antigos autores e artistas que trabalharam com o personagem). 


 Antes. Encontramos Dick antes mesmo de ele ser o Robin. Batman entrega para ele um pote cheio de ácido. Um ácido especial que não deixa rastros. Foi o ácido usado pelo mafioso para matar sua família, derrubando-os do trapézio. O pote que ele guarda até hoje embaixo de sua cama como lembrança.

 Antes. Vemos a mão de Tony Zucco, embebida deste mesmo ácido, esfregando a corda em que depois a família Grayson vai se apresentar. Ao fundo, toca a música de trapezista, a mesma que Dick canta para o recém-órfão no futuro. A imagem da mão de Zucco nos remete à mão de Helena Bertinelli na primeira página da história. Mas aqui nós vemos que o ácido já começa a agir, dissolvendo a corda. 
 Como a última frase nos diz, ainda não terminou. Sabendo de tudo agora, nós podemos voltar a revista inteira e ir lendo de trás pra frente, igual ao filme Amnésia (Memento). Assim podemos perceber a constante da corda na vida de Dick, podemos perceber o uso do ácido em vários momentos da história, e podemos finalmente usar o Código do Mestre das Pistas pra entender pq diabos Dick estava rindo pendurado sobre a armadilha, entender qual recado Helena passou para ele quando estavam subindo pendurados no prédio e ele deu aquela resposta, e finalmente entender o recado escondido que ela deu a ele quando Dick estava pendurado enforcado, na primeiríssima página! E tudo o mais faz sentido agora... 
Captaram? Ou querem que eu desenhe?
Quadrinhos são uma mídia em que podemos brincar bastante com a questão do tempo, a apresentação do tempo e como fazer uma narrativa baseada na percepção dele, pois diferentemente de outras mídias o leitor tem domínio quase completo sobre ele (como já disse aqui). Infelizmente poucos aproveitam para contar uma história tão legal e bem engendrada quanto esta.
Fica aqui uma imagem que achei na internet que ilustra muitíssimo bem toda essa história, com um fio/corda condutor(a) ligando as várias fases de Dick, desde o trapézio até Robin até o espião/herói russo com sangue nas mãos...
Eae, curtiram? Eu só mostrei 10 das 22 páginas da história, em que é mostrado ainda algumas relações entre sangue, pais de Batman e pais da Helena, algumas cordas e relacionamentos de Dick, etc. Excelente história!
Comprei a edição nacional, da Panini. Que decepção*. Além de o tradutor nem ao menos tentar adaptar de alguma forma o acróstico do Código do Mestre das Pistas nas frases, ele nem mesmo fez alusão ao que seria o código ou como ele se dava no original em inglês. Acredito que a tradução foi feita por alguém pago somente para isso e que nem entende de quadrinhos (ou que pelo menos nem tentou "ler", entender ou interpretar a história). Uma pena, pois muitos leitores brasileiros ficaram sem entender lhufas do que diabos seria esse código (pois não há nota explicativa alguma como "se perde na tradução, mas no original era assim...") e perderam MUITO, se não completamente, do sentido da história toda...
Que mancada, Panini!



* Assim como a edição nacional do Gavião Arqueiro que utilizava língua dos surdos, que além de não traduzir a linguagem de sinais norte-americana para Libras também nem ao menos mencionou que existia a língua brasileira de sinais e que era diferente do mostrado no original... Pode-se chamar isso de tradução...?

quinta-feira, 15 de março de 2018

Iron vs Panther - parte final

(Concluindo o que se iniciou na Parte 1, na Parte 2 e na Parte 3)

Logicamente que tudo se resolve depois. Pantera salva o Ferroso, e eles decidem cada um devolver a respectiva empresa do outro e tudo se resolve porque no fim o plotem comum contra o qual os dois trabalhavam juntos acaba se resolvendo quando eles se unem. Interessante ver como o Homem de Ferro, sendo um herói, vê tudo em preto e branco, o lado bom e o lado mau. Já T'Challa não, sendo rei, enxerga tudo como responsabilidades e várias escalas de cinza. Tudo o que ele faz ele tem em mente não somente a si mesmo ou seu inimigo, mas a sua nação inteira e o bem comum a longo prazo por trás. O sujo falando do mal lavado, dois lados da mesma moeda (mas um lado mostra só números exatos enquanto o outro tem toda uma história e simbologia adornada atrás): 


Claro que a história toda é bem maior que isso, eu sintetizei as cinco edições do arco Inimigo de Estado II, do Christopher Priest (Black Panther volume 3 #41 - 45), nesses poucos quadros. O plot todo envolve ainda muitas questões que eu nem citei aqui, e deixei de fora propositadamente um confronto que os dois têm no meio do arco, em que há uma reviravolta da porra e até mesmo Tony Stark toma a liderança e ganha a vantagem do "round", vencendo o Pantera and outsmarting him, mostrando também que é um fdp inteligente pra caralho. Mas não quis estragar a surpresa nem a resolução do conflito maior subjacente a essa disputa dos dois. 
Curtiram?
Em posts futuros adicionarei mais brigas interessantes entre heróis (e contra vilões também, kkkk) que fujam um pouco do soco para lá e soco para cá padrão comum!

Iron vs Panther - parte 3

(Continuando da Parte 1 e Parte 2...)
E lá Tony embosca T'Challa. É melhor vocês lerem aí embaixo pra acompanharem os golpes e contragolpes e ataques e defesas dos dois lados, tudo com as explicações pseudocientíficas dignas de quadrinhos que a gente adora:



Digna de nota essa "luva de poder" com um design bem kirbyano do Pantera:


Só lembrando, Obadiah Stane foi o vilão usado no primeiro filme do Homem de Ferro, e Justin Hammer foi o vilão do segundo, ambos sempre atrás da tecnologia Stark. Nas HQs eles a obtiveram em algum momento, por isso Tony ter um aparelho de contramedidas contra essa contingência (ter sua tecnologia roubada e precisar ir contra ela mesma). Ah, essa história, e todos esses movimentos da disputa de "tecnoxadrez" entre os dois, é contada por Everett Ross, que aparecerá no filme do Pantera (espero que de forma tão legal quanto nesse run):

Orra, meu! Pantera desligou o reator do peito do Tony que faz o coração dele bater, mano! Apelou...

(continua...)

Iron vs Panther - parte 2

(Continuando a partir da Parte 1...)

Bom, se lembram da ligação telefônica marota que  T´Challa fez? Bom, teve repercussões quase imediatas quando o Ferroso partia em perseguição ao Pantera e recebe uma chamada da Pepper Potts:

(Reparem que ao lado do Pantera e do Wolvie e ajudando eles está uma das Dora Milaje, guarda-costas do rei). Aparentemente, a supersafra da nação Paolo Santera que estava estocada impedida de entrar no mercado internacional do nada recebeu um modo de escoar seu produto, ocasionando uma hiperinflação no mercado e tornando o banco central do país ultrabilionário. Vejam bem por que  T´Challa  consegue ser melhor que o Batman; enquanto Bruce só lida com microeconomia, as decisões do Pantera influenciam nações inteiras macroeconomicamente! Bruce só afeta Gotham, mas T'Challa consegue balançar o globo, kkkk. Enquanto desabilitava a armadura de Tony,  T´Challa  ia para o Canadá para ter com o líder indígena da First Nation, os habitantes originais legítimos da ilha anexada.
 


Gostei de como o Pantera peita a OTAN: "eu acho que ela também percebe as implicações para Wakanda", dando a entender que a OTAN deveria temer seu país, e não o contrário...

T'Challa ainda tem tempo de roubar um item dentro das empresas Stark (que a gente só vai saber mais pra frente o que é e para quê). Enquanto isso, é claro, Homem de Ferro sendo quem é, decide construir/usar uma armadura melhor para lidar com o Pantera:

Iron vs Panther - parte 1

Conforme prometido, e atendendo a pedidos, a briga física, intelectual e financeira entre o Pantera Negra e o Homem de Ferro:
Após uma altercação qualquer entre alguns órgãos governamentais americanos e algumas figuras com ligação com Wakanda, um agente do governo, Peter Gyrich, contata Stark. Daí começa com Tony descobrindo algo meio sinistro em relação a todo o cabeamento usado na sua empresa (e em outra importante localidade que utiliza sua tecnologia, a Mansão dos Vingadores):



Entre outras tretas envolvendo a CIA, FBI e Wakanda, Tony tenta conversar com o Pantera numa partida de pôquer num navio-cassino, mas T´Challa recorda que nesses anos todos em que se conhecem, ele nunca foi convidado para jantar na casa de Tony, a tradição mais onipresente em várias culturas quando se trata de amigos, mostrando que o Homem de Ferro nunca o tratou como um, apenas como um colega de equipe. Obviamente as coisas degringolam pra um lado mais físico, quando T´Challa se mancomuna com Wolverine e eles roubam uma maleta do navio que Tony estava protegendo. Ah, nesta partida Tony consegue adquirir na aposta uma empresa de T'Challa, a Wakandan Design Group (ou Development Group, sei lá): 

Enquanto roubam o item, Pantera faz uma comunicação suspeita  com algum Primeiro-Ministro hablante de espanhol:

Pra piorar ainda mais a treta com o governo dos EUA, o Pantera retira das antigas um tratado  internacional que seu avô, Asiri o sábio, fez com um "francês bêbado" pego tentando invadir Wakanda. Para não ser morto, esse nobre francês concedeu lá em mil e oitocentos uma ilha canadense nos Grandes Lagos para Wakanda (e nunca esperava que algum dia os wakandanos levassem a sério e reivindicassem a tal ilha em outro continente). De posse da ilha, legalmente legitimada pelos indígenas da First Nation que hoje lá habitam, o Pantera acaba dominando o tráfego naval nos Grandes Lagos, impedindo a passagem de navios e outras embarcações americanas pela região.


Proféticas palavras do Ferroso, como se verá em seguida.

(continua...)