Eu me perdi em Madri. No caminho para me encontrar, dei a sorte de passar em frente a uma loja especializada em quadrinhos. Pedi que me mostrassem revistas de autores espanhóis. Entre as opções, lá estava Paco Roca...
Perdido
Perdido
O encadernado que levei era Las Calles de Arena, que começa justamente com o personagem principal tentando pegar um atalho para chegar a um lugar mais depressa. Ele se perdeu exatamente da mesma maneira que eu. Só que não consegue sair dali por um bom tempo. Lá começa a passar por uma série de acontecimentos absurdos e personagens surreais. Essas histórias, que compõem sua jornada para sair do bairro, são extremamente metafóricas. Uma das primeiras pessoas que ele encontra é um senhor que está tentando sair do bairro, assim como ele, só que há anos. Tem a filosofia de que "es muy importante la planificación", no intuito de estar pronto para tudo. E, por ter medo de fracassar, ele nunca começa a viaje, pois nunca acredita estar plenamente preparado.
Em um outro momento, o personagem central (que não se lembra do próprio nome, pois saiu de dentro dele um doppelgänger, um ser que perdeu sua identidade tentando achar a lógica do barrio e por isso se dedica a robar la personalidad de los demás) encontra um vampiro, vivendo há séculos e colecionando coisas. Este novo personagem é absolutamente apegado a todas as bugingandas que guarda. Tem por todas, como diz, “mucho aprecio”. Considera todos os objetos recordações preciosas para sua vida.
À medida que a história vai avançando, percebe-se que uma certa mulher parece ter várias gêmeas, que executam diversos serviços básicos no bairro. Depois o personagem principal descobre a história de um coronel, cuja mulher morreu, e ele reproduziu um clone dela. Entretanto, o clone não o amava. Então ele continuou a reproduzi-los, chamando a todas de Eva...
Cada história, cada personagem tem sua mensagem. E mesmo dentro delas existem frases extremamente interessantes e reflexivas, como quando o vampiro diz que não fez muita coisa durante seus séculos de vida, pois tem todo o tempo do mundo; e a senhora que, perguntada qual religião segue, diz que faz rituais a uns, preces a outros, pois nunca se sabe cuál puede ser al final la verdadera.
Arrugas
O motivo que me convenceu a levar a história do Paco Roca foi porque ele ganhou o prêmio espanhol de quadrinhos em 2008 por uma obra chamada Arrugas. Então pensei: deve ser boa também. Minha mãe voltou da Europa agora e me trouxe o encadernado de presente. A história é bem mais curta, mas tem a mesma qualidade e estilo do autor.
Arrugas fala sobre envelhecer. O personagem principal, Emilio, é levado a um asilo logo no início da história. Ele sofre de Alzheimer. Porém, além de tratar da doença na obra, o autor a usa para falar da velhice. Ele convive com diversos outros idosos, que possuem outras doenças. Porém, a metáfora é a de que todos eles vivem no passado. Pellicer, por exemplo, vive falando da época em que foi atleta olímpico, a medalha de bronze o tempo inteiro no peito, enquanto anda de um lado para o outro... com a ajuda de um andador. A senhora Rosário acredita a todo instante estar dentro de um trem a camino de Estambul.
A história também é repleta de frases interessantes, reflexões sobre a vida e sobre envelhecer. Miguel, melhor amigo de Emilio no asilo, e um tanto crítico em relação a tudo, questiona a necessidade de tantas pílulas e dietas e proibições, dizendo ser apenas o prolongamento de uma malvivir, já que não fazem nada no asilo além de comer, dormir e se prostrar em frente a uma televisão que exibe programas que nenhum deles quer ver.
A qualidade da obra de Paco Roca, que agora considero como um dos melhores autores de história em quadrinhos que conheço, está na metáfora, está no detalhe, nas frases. Um resumo de suas histórias seria talvez desinteressante, pois é no transcorrer delas que se vê a riqueza que têm. Para gostar de Paco Roca, é necessário lê-lo. Arrisco-me também a dizer que, se ler, vai gostar.
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