* Foi muito bom o mea-culpa quanto ao Groxo/Sapo, atitude nobre, mas não te perdoo por uma coisa, Jotapê: Rorschach!
Permitam-me um adendo ou uma pequena digressão em relação ao post anterior, mas que versa sobre o mesmo assunto. Tive a felicidade de ler Watchmen primeiramente em inglês (ok, confesso que o capítulo 11 é foda de se ler mesmo em língua materna, que dirá acompanhar os pensamentos do "homem mais inteligente do mundo" em uma segunda língua). Digo felicidade mais especificamente por causa de um personagem: Rorschach (o preferido de 8 entre 10 que leram a HQ ou viram o filme). À medida em que a história passava, eu reparava que o bicho falava de uma forma meio esquisita, mas não sabia o porquê, só tinha a sensação de estranhamento mesmo. Até que um dia vi uma daquelas listinhas na net "você só percebe que anda lendo muito Watchmen quando...", e tinha um item lá mais ou menos assim: "fala sempre cortando os artigos das frases", ou algo do tipo. Aí eu reparei o que sua fala tinha de esquisito! Tem mesmo! E, se você reparar bem, se você realmente leu a história, e não apenas folheou a revista (falo mais sobre isso em um post futuro), vai perceber que isso caracteriza sim o personagem. Há uma explicação para ele falar do jeito que fala. Na verdade, há um único momento na história em que Rorschach fala como um humano comum. É só mais uma das dicas que Alan Moore plantou para o leitor se situar no tempo ao longo dos vários flashbacks da história. Na verdade, a fala de Rorschach reflete sua própria natureza interna, meio fragmentada, seu estilo de vida, sempre incompleto. E ela causa arrepios inclusive na Espectral, como ela mesma diz (depois ouçam um trecho do diário de Rorschach lido por ninguém menos que seu criador, o mago Moore em pessoa, mostrando como ele imaginava o modo de falar do bicho, e aí vocês vão perceber o quão inumana, robótica e monotônica deveria ser sua fala, e vão reparar que a voz aplicada por Jackie Earle Haley no filme é só uma imitaçãozinha do estilo Batman/Christian Bale de impostar a voz). Ok, vamos ao que interessa.
Fui ler a versão nacional, da Via Lettera, se não me engano traduzida pelo mesmo Jotapê. Percebam aí o original. Não há o artigo "THE" em duas frases. Na edição nacional, escreveram "O distintivo pertence ao Comediante. O sangue também." Viram lá os dois artigos acrescentados desnecessariamente? Isso é só um exemplo, mínimo. Há outros mais conspícuos ainda. Cara, se tu for ler toda a história em português, quase não vai reparar em esquisitice alguma na fala do Rorschach! O tradutor simplesmente ou não percebeu que ele falava estranhamente, ou simplesmente decidiu ignorar isso e corrigiu suas falas para um modo normalzinho de falar. Pode parecer preciosismo de minha parte (sou só eu?), mas, para mim, isso descaracteriza o personagem! Se sua fala é seu modo característico de se expressar, e se distingue da dos demais heróis da trama, eliminar essa diferença elimina uma característica própria do personagem! E uma característica inclusive explicada na história, que faz parte do seu passado e do entendimento de quem ele é hoje. A gente consegue entender suas motivações e entender o enredo independente disso? Sim, óbvio, mas também perde parte da experiência total de se ler Watchmen, perde uma das arestas a ser apreciada da obra de arte. Alguém discorda? Marcou toca a tradução... (alguém sabe me dizer se a versão mais recente, da Panini, também é assim?)
Minha dica: se quiser ler mesmo e aproveitar todo o recurso narrativo de Watchmen, leia em inglês. Se só quiser folhear a historinha pra se divertir e achar legalzinho, leia a versão traduzida e divirta-se sem compromisso.
Não vou falar mais de traduções e versões, do que se perde quando se traduz, esse tipo de coisa, porque sei que é difícil mesmo o trabalho do tradutor, tentando ser fiel ao original e tentando manter o jogo de palavras que às vezes os autores utilizam.
Por exemplo, na parte em que os dois detetives recebem a ligação indicando a localização do Rorschach, vejam aí:
Ele pensa ter ouvido "raw shark" (tubarão cru), em vez de "Rorschach". Nos Contos do Cargueiro Negro, o gibi que o menino na banca lê nesta mesma edição, o náufrago mata um tubarão e passa a se alimentar dele, tubarão cru, para sobreviver. Essa história dentro da história não está lá à tôa. Os Contos do Cargueiro Negro contém analogias e pistas para a própria trama de Watchmen. E uma dica é dada exatamente nesse instante: o tubarão cru seria Rorschach, mas, como eu disse, falo mais sobre isso em um post futuro.
Então, como estava dizendo, sei de dificuldades como esta. Porém, um pouco mais de cuidado e atenção seria bom. Gosto de citar o carinho com que o dedicado pessoal do Vertigem (valeu, Bob Vertigo!) tem tratado as obras de Morrison, autor que adora jogos de palavras, Invisíveis e Patrulha do Destino (confesso que ficou interessante a adaptação oficial Abocalipse para Apocalipstick, um dos arcos de Invisíveis já traduzidos aqui no Brasil). Viu, trabalho bom é reconhecido por fãs!
Blog sobre história em quadrinhos (banda desenhada, comics), super-heróis, supervilões e o que engloba esse universo ficcional.
sábado, 31 de outubro de 2009
Post Scriptum
(este post é meio que continuação do anterior)
(Agradecimentos especiais aos amigos Kleber e Guilherme pela ajuda e paciência com o Reino do Amanhã.)
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Um comentário:
É evidente. Numa tradução perde-se sempre qualquer coisa, por isso é que quando posso opto sempre por ler na versão original. Quando posso e quando sei a língua em questão. No caso do inglês não é problema, felizmente.
E as obras de Moore têm sempre tantos pormenores. Claro que a linguagem nem sempre é a mais fácil, mas quando se gosta é uma questãod e dedicação.
Abraço
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