Conforme adições à classificação das artes segundo Ricciotto Canudo , os quadrinhos (banda desenhada, comics, fumetti) receberam a nona posição na numeração. Hoje em dia, assim como o cinema às vezes é chamado de Sétima Arte, os quadrinhos se identificam com o título de Nona Arte.
Dito isto, foi boa a proposta da Marvel, em 2009, de aproximar mais seu principal produto às grandes artes clássicas, no caso a pintura, quando do aniversário de 35 anos de um de seus mais conhecidos personagens: Wolverine.
Neste post rápido, muito mais imagético que palavreado, vou expor algumas capas que a editora lançou, cada uma homenageando um quadro, um pintor ou um estilo de pintura.
Wolverine em homenagem ao belga René Magritte, com o rosto coberto aludindo ao quadro Le Fils de l'Homme e à ideia do autor de que tudo o que vemos esconde outra coisa - aquilo que queremos ver que é escondido pelo que vemos -, assim como a um tema recorrente do mesmo, o guarda-chuvas. Logan é um personagem que possui muitos mistérios ocultos em seu vasto passado, apesar de atualmente os roteiristas só se aproveitarem de seu lado mais combativo e violento e se esquecerem do interessante recurso de que têm à disposição.
Homenagem clara ao excelente e excêntrico surrealista Salvador Dali, com elementos de seu famosíssimo quadro La persistencia de la memoria - quadro também utilizado em Watchmen, por Moore e Gibbons -, bem como uma imagem de um ovo, outro motivo apreciado por Dali em suas obras. Reza a lenda que a inspiração para os relógios derretendo veio ao pintor quando este viu, numa tarde de verão, um queijo camembert derretendo à temperatura ambiente. O metal derretido nesta imagem remete ao adamantium líquido que foi utilizado para cobrir seus ossos e garras, tornando-os indestrutíveis. Há ainda a sutil referência à origem de Logan com a folha de maple tree sobre sua máscara.
Outro famoso pintor a ser homenageado foi o compatriota de Dali, Pablo Picasso, com seu estilo cubista característico que veio bem a calhar com o personagem retratado, denotando toda a tensão e a raiva contida do mutante canadense invocado. Os tons vermelhos lembram todo o sangue que o baixinho invocado derramou em sua história de fúria e incompreensão. Talvez a psiquê fraturada de seus anos com memórias falsas implantadas também seja evocada com a perspectiva fraturada do desenho acima.
A pop art de Andy Warhol foi captada nesta capa, que remete a seus trabalhos mostrando personalidades famosas como Marilyn Monroe ou Che Guevara. Esta capa é bastante icônica, pois Wolverine é, atualmente, um dos super-heróis mais conhecidos do mundo, possivelmente alçando o status de popstar atualmente (mas deixemos o processo de wolverinização para um próximo post). A imagem escolhida, por sua vez, também é uma ilustração bastante conhecida feita por Frank Miller. Warhol é querido pelo mundo dos quadrinhos, tendo aparecido, entre outros, também no filme Watchmen, mostrando um quadro do Coruja, e como personagem do excelente Miracleman, quando Neil Gaiman esteve à frente deste (infelizmente) obscuro personagem.
Neste exemplo a ironia toma ares de humor negro. Fazendo referência ao famoso autorretrato de Vincent Van Gogh, a capa utiliza uma das características mais marcantes de Wolverine, suas garras, para trazer à tona um fato infeliz da biografia do pintor neerlandês: cerca de um ano antes de seu suicídio, Van Gogh se automutilou, retirando a própria orelha. Pena não dispor das mesmas propriedades regenerativas do X-Man aqui retratado...
Apresento agora um talvez desconhecido do grande público, Alfons Mucha, um checo dos mais influentes no movimento Art Nouveau. Seu estilo é imitado em diversas capas, principalmente de heroínas (Promethea, Voodoo) e algumas do Dr. Estranho e outras desenhadas por Joe Quesada, e uma de suas pinturas foi referenciada em Sandman ao retratar o próprio Lorde Morpheus: o pôster da peça Gismonda, com Sarah Bernhardt.
Outro artista que também teve homenagem rendida nas páginas de Sandman foi o austríaco Gustav Klimt, cujo estilo foi tomado emprestado nesta capa, reconhecível através (sim, literalmente "através") das roupas e dos padrões de tecido das figuras neste desenho, que por sua vez remete-nos à ligação de Logan-san com o Japão.
O norueguês Edvard Munch foi homenageado com esta capa acima. Munch é conhecido mundialmente pelo seu quadro expressionista O Grito, obra que revela angústia e desespero existencial, talvez como o que Logan vivencia quando deixa seu lado fera dominar seu lado humano, ou quando não tem certeza sobre quais memórias suas são reais e quais são meros implantes inventados.
Outro norte-americano, assim como Warhol, homenageado, foi C.M. Coolidge. Na verdade, sua série de obras, conhecidas coletivamente como Dogs Playing Poker, é que são homenageadas, fazendo uma brincadeira com algumas aparências e alguns uniformes que Wolverine teve ao longo destas três décadas e meia de existência. O mais curioso desta capa é que, diferentemente das obras originais na qual foi baseada, em que se mostrava cães antropomorfizados em seus comportamentos e hábitos (inclusive os mais péssimos hábitos humanos) jogando e fumando, Logan, um fumante inveterado e contumaz, não é apresentado em nenhuma versão com seu habitual charuto.
Mais algumas homenagens podem ser acessadas aqui, no site da Marvel Comics. Lá pode-se descobrir ainda nas capas de quais revistas mensais saiu cada uma destas homenagens. Mostrei aqui apenas algumas das quais mais gostei e mais achei representativas, de um modo ou outro. Relembrando a reflexão levantada por Magritte na primeira imagem deste post, La Trahison des Images, conforme Scott McCloud bem lembrou em seu ótimo livro Desvendando os Quadrinhos, nenhuma destas capas se liga diretamente aos respectivos quadros originais, mas são somente imagens digitalizadas das cópias impressas dos desenhos representativos das cópias de cada arte original.
Mas são arte.
A 9ª Arte.
- Quadros e pinturas sugeridas: TODAS as de todos os autores aqui apresentados
(Magritte, Picasso, Dali, Warhol, Van Gogh, Mucha, Klimt, Munch, Coolidge).
2 comentários:
Sempre é bacana quando fazem isso. Ajuda claramente a nublar as fronteiras tidas com seguras que categorizam aqui ou ali as artes, a cultura, etc.
Enquanto a gente não se livrar deste estigma de "baixa" e "alta" cultura, ficaremos na mesmice.
Parabéns pelo blog! Apareça 'lá em casa também".
http://quadrinhosnasarjeta.blogspot.com/
Abraços, Alexandre.
Show de bola!
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