terça-feira, 10 de abril de 2018

Memento Meia-Noite: uma excelente narrativa de trás pra frente

Mais uma história em quadrinhos usando a técnica de ser mostrada/lida de trás pra frente*. Por incrível que pareça, eu li essa menos de uma semana depois de ter lido a do Grayson, e cheguei nela de um meio completamente independente. Sincronicidade ou coincidência do kct, mas vamos lá.


O que você precisa saber:

Meia-Noite é um personagem claramente inspirado no Batman, só que ainda mais modafóca badass que o Morcegão. Sua marca registrada é intimidar seus adversários antes mesmo de a luta começar expondo seu poder com uma frase mais ou menos como "Eu já lutei essa luta um milhão de vezes, de milhares de formas diferentes, na minha cabeça, e já sei como ela termina antes mesmo de você dar seu primeiro golpe".
Ah, e ele é casado com outro personagem claramente inspirado no Super-Homem, o Apollo.

E é aqui que a história começa. Assim, pá bum, logo na primeiríssima página, um "batman" e um "super" se beijando (haters gonna hate, hate, hate...). Reparem na Terra ao fundo e nas cartas voando ao redor. E já dá a dica nas primeiras palavras da história: FIM

 Na página seguinte, vemos Meia-Noite chegando e Apollo construindo um castelo de cartas. Reparem no brilho no planeta ao fundo quando Meia-Noite aperta um botão. E na frase do protagonista: "o futuro já aconteceu, meu nego".

Somente na terceira página que você começa a perceber que diabos tá rolando (bom, pelo menos só aqui que eu saquei a jogada, kkk). Meia-Noite chega na Balsa (a sede do Authority, onde o marido dele está esperando) atravessando uma Porta e continuando seu momentum de queda:

 A página seguinte apresenta Meia-Noite, em queda livre, tentando acionar a tecnologia de teleportação (chamada simplesmente "Porta") enquanto cai. Agora sim você tem certeza de que a história tá sendo contada de trás pra frente (bom, eu tive). Na página logo após o autor até joga com a expectativa e a curiosidade do leitor, antevendo o que vem pra frente (frente fisicamente falando; ou pra trás cronologicamente falando):

  Cinco páginas de luta nos ares depois (ou antes?), mostrando mais do quanto o cara é fodão, nós chegamos ao momento anterior em que Meia-Noite ainda está no topo do Burj Al Arab (aquele hotel bonitaço cartão-postal de Dubai). Lá em cima, antes de se jogar, ele faz seu famoso discurso expondo suas capacidades de antevisão:

As páginas passam, mostrando todo o caminho que Meia-Noite fez pelo prédio até chegar ao topo, inclusive mostrando ele plantando uma bomba na parede de uma ala superior (aquela mesma que lá na frente depois, ou algumas páginas antes, ele explode apertando o botãozinho enquanto fala com Apollo). E então chegamos no momento massavéi, em que Meia-Noite, cercado por 10 guarda-costas ciberneticamente modificados, vai dando conta de um por um enquanto canta "10 Indiozinhos" (mas de trás pra frente), and then there were none

Finalmente chegamos na parte em que a vilã da história conta seu plano maligno a la vilão de James Bond e finalmente entendemos o que diabos Meia-Noite foi fazer naquele hotel invadindo-o. E cabe ainda mais um momento pra atiçar nossa curiosidade quando, logo no primeiro quadrinho, um inimigo solta um "Essa foi a coisa mais nojenta que eu já ouvi na vida", e nos deixa ansiosos pra terminar logo de ler a página inteira pra virar a folha e saber qual foi a frase que o deixou ojerizado assim:

Também nos é mostrado por que diabos Meia-Noite teve que abrir caminho até o topo do prédio e de lá saltar em queda livre, pois esse campo de força digital impedia que ele ativasse uma Porta e se teletransportasse pra fora quando quisesse. Por fim, na penúltima página Meia-Noite expõe o jogo e o mote inteiro da história, pois ele é o cara que "vai direto pra última página do livro antes de lê-lo"; afinal de contas, é assim que seu cérebro funciona. Ele calcula todos os outcomes possíveis antes de acontecerem. Repare na alusão final ao "castelo de cartas ruindo" logo quando ele cita terminar o dia fazendo amor com seu marido (castelo de cartas que ruirá no futuro, ou seja, lá nas primeiras páginas):

E chegamos assim à última/primeira página da história, com o título e os créditos e tudo o mais, e a afirmação que fecha/inicia?/sintetiza tudo:
Dessa forma o escritor nos permite, numa edição, ver o mundo exatamente como Meia-Noite o vê, processando a história exatamente como o cérebro do protagonista a processa, já antevendo o final de tudo antes mesmo de começar. Massa, não?
O mesmo efeito de Amnésia e da história do Grayson que eu mandei anteriormente, mas aqui servindo não só à estética mas também ao próprio funcionamento da cabeça do herói do título. Bem bolado, bem bolado... 
A história saiu na série Midnighter (2007), ainda pelo selo Wildstorm, escrita por Brian K. Vaughan. 

* Com bem pontuou meu amigo Guilherme, na verdade: "essa história e a do Asa Noturna são bem distintas. Essa daqui é, realmente, contada de trás pra frente. A do Asa não tem linearidade cronológica. E não é que ela deva ser lida de trás pra frente, é mais que as informações que foram dadas no final da história fazem com que a gente queira ir voltando. Poderia ser fazer uma segunda leitura, do início para o fim mesmo, tipo a segunda vez que a gente assiste Sexto Sentido, depois que sabe todas as informações". 

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