Explicar piada é uma das piores coisas que existem, mas às vezes isso te revela coisas para as quais você não havia se atentado antes. Na primeira vez em que li a supracitada história de Alan Moore e Brian Bolland, ainda na infância, confesso que inicialmente não entendi a piada que Coringa conta para o Batman e a relação disso com a história.
Relembrando, Batman havia acabado de propor ao Palhaço do Crime para ambos trabalharem juntos, ao passo que Coringa contou a famosa piada sobre dois lunáticos que tentavam fugir do asilo pela cobertura, um deles conseguindo pular até o prédio ao lado enquanto o outro se acovardou. O primeiro, então, liga sua lanterna e propõe ao segundo que caminhe sobre o vão entre os prédios por cima do facho de luz de sua lanterna.
Meu irmão foi quem, anos depois, me contou que, na verdade, a piada fazia alusão aos próprios Batman e Coringa, sendo Batman o lunático com a lanterna ligada pedindo para Coringa atravessar para seu lado sobre o facho de luz (mais sobre isto no fim do post*).
Daí vem a famosa cena do Homem-Morcego não apenas sorrindo, como rindo, e depois ainda gargalhando ao lado do vilão.
Uma das maiores críticas que eu já vi sobre a história (que é um show de narração, narrativa, transições entre cenas e casamento entre texto e imagem) foram justamente sobre esse final. Como pode o Batman, usualmente soturno e sério como poucos, não apenas sorrir (?) como também rir (??) e ainda por cima gargalhar (???) ao lado da pessoa que acabou de ALEIJAR sua amiga e filha do Comissário Gordon (?!?!) e ESPANCOU SEU PUPILO ATÉ A MORTE (?!?!?!?!?).
Eis que, nesta semana, no podcast de Kevin Smith sobre o Homem-Morcego, Fatman on Batman, Grant Morrison surge com sua interpretação do final desta história, o que levou a explosões de comentários em fóruns pela internet afora. Talvez pelo revisionismo 25 anos depois de a obra ter sido publicada, seja pela polêmica e impactante visão que sua interpretação dá para o final da obra em si mexendo com alguns dos cânones do universo DC, ou seja pelas impressionantes pistas de que os argumentos que levam a esta interpretação já estavam todos lá no original há um quarto de século, só ninguém não viu até hoje! Ou não quis ver...
Morrison explicou a piada para o incrédulo Kevin Smith e para nós. Uma piada de matar, está lá, desde o título: A Piada Mortal. Segundo Morrison, Batman quebra o pescoço de Coringa e o MATA no fim da história.
Vamos rever a cena:
Relembrando, Batman havia acabado de propor ao Palhaço do Crime para ambos trabalharem juntos, ao passo que Coringa contou a famosa piada sobre dois lunáticos que tentavam fugir do asilo pela cobertura, um deles conseguindo pular até o prédio ao lado enquanto o outro se acovardou. O primeiro, então, liga sua lanterna e propõe ao segundo que caminhe sobre o vão entre os prédios por cima do facho de luz de sua lanterna.
"Acha que eu sou louco? E se você apagar a luz enquanto eu estiver no meio do caminho?"
Meu irmão foi quem, anos depois, me contou que, na verdade, a piada fazia alusão aos próprios Batman e Coringa, sendo Batman o lunático com a lanterna ligada pedindo para Coringa atravessar para seu lado sobre o facho de luz (mais sobre isto no fim do post*).
Daí vem a famosa cena do Homem-Morcego não apenas sorrindo, como rindo, e depois ainda gargalhando ao lado do vilão.
Uma das maiores críticas que eu já vi sobre a história (que é um show de narração, narrativa, transições entre cenas e casamento entre texto e imagem) foram justamente sobre esse final. Como pode o Batman, usualmente soturno e sério como poucos, não apenas sorrir (?) como também rir (??) e ainda por cima gargalhar (???) ao lado da pessoa que acabou de ALEIJAR sua amiga e filha do Comissário Gordon (?!?!) e ESPANCOU SEU PUPILO ATÉ A MORTE (?!?!?!?!?).
Eis que, nesta semana, no podcast de Kevin Smith sobre o Homem-Morcego, Fatman on Batman, Grant Morrison surge com sua interpretação do final desta história, o que levou a explosões de comentários em fóruns pela internet afora. Talvez pelo revisionismo 25 anos depois de a obra ter sido publicada, seja pela polêmica e impactante visão que sua interpretação dá para o final da obra em si mexendo com alguns dos cânones do universo DC, ou seja pelas impressionantes pistas de que os argumentos que levam a esta interpretação já estavam todos lá no original há um quarto de século, só ninguém não viu até hoje! Ou não quis ver...
Morrison explicou a piada para o incrédulo Kevin Smith e para nós. Uma piada de matar, está lá, desde o título: A Piada Mortal. Segundo Morrison, Batman quebra o pescoço de Coringa e o MATA no fim da história.
Vamos rever a cena:
Reparem que, ao gargalhar, Batman se aproxima e estica o braço em direção ao Coringa (no ombro ou no pescoço?). A silhueta de Batman mantém-se toda negra, no escuro, porém seus olhos e sorrisos sinistramente mantêm-se visíveis, o que juntamente com as orelhas de seu capuz quase parecendo chifres lhe dão um aspecto maligno, quase demoníaco. A "câmera", ou ponto de vista, desce do foco principal da cena e não nos permite mais ver o que acontece com os dois, tampouco com os braços de Batman ao redor do Palhaço. A onomatopeia do carro de polícia chegando começa a tomar conta dos painéis ao tempo em que deixamos de perceber as onomatopeias das gargalhadas, talvez substituindo-as, talvez porque essas cessaram. Percebam que nos três últimos quadrinhos o "EEEEE" pode muito bem ser entendido como um grito, talvez. Os pés dos personagens não se tornam mais visíveis, então não sabemos se Coringa ainda permanece de pé. A luz refletida na poça d'água marca a divisão em polos opostos dos dois antagonistas; porém, no último quadro, esta luz é apagada. Bom, uma das metáforas mais manjadas para o fim da vida é a de uma luz sendo apagada, e o som cessando...
Se formos ler a história atentamente, perceberemos que Alan Moore pode ter plantado esta ideia desde o início. O primeiro diálogo entre Batman e o "Coringa", ainda no Asilo Arkham, já demonstra:
"Sobre o que vai acontecer conosco. No fim. Nós vamos matar um ao outro, não?"
Os negritos em ACONTECER, FIM e MATAR não são meus, já estão nos originais. Bruce ainda conversa umas três vezes com o lunático psicopata, e em todas elas ele faz menção a essa possibilidade: "Não quero que nenhum de nós mate o outro no fim... mas estamos esgotando as alternativas", e também "entraremos numa rota suicida (...) que vai levar nós dois à morte".
Várias coisas me agradam nos autores britânicos de quadrinhos, como Neil Gaiman, Alan Moore e Grant Morrison, e uma delas é o tratamento de cada história como uma obra literária, como arte, e não mero entretenimento, usando e abusando de intercontextualidades, referências, jogos de palavra, metalinguagem, e o uso magistral do casamento argumento e arte. Se Alan Moore realmente queria dar margem a parecer que Batman matou o Coringa no fim da história, parece que ele deu vários indícios sim, e não só no pleno título da história apenas. Nada que o autor já não tenha em outras obras, tais como Watchmen, por exemplo.
Um dos aspectos mais importantes dos quadrinhos enquanto mídia, se não o mais importante, é a chamada sarjeta, ou o espaço entre um painel e outro. Diferentemente de filmes, que também são quadros de imagens sequenciais, nas histórias em quadrinhos esta sarjeta é preenchida pelos leitores; ou melhor, por cada leitor, em cada situação em que a lê, interpretando esta passagem de uma imagem à outra com sua visão própria.
Um bom autor é aquele que consegue contar uma boa história e ainda assim aproveitar o recurso da sarjeta para que o leitor preencha os vazios, gerando sua própria interpretação sem cair no non sequitur. Acredito que Alan Moore, reinterpretado por Grant Morrison duas décadas depois, conseguiu isso.
Pode não ser única interpretação, mas, pra mim, faz realmente todo o sentido, pois prefiro acreditar nisso do que num Batman gargalhando e botando os braços no ombrinho do maníaco sádico e homicida que aleijou sua amiga e matou seu "filho" como era interpretado canonicamente até então.
Por que é tão difícil mexer nesse cânone? Por que tantas respostas exacerbadas contra essa visão? Afinal de contas, o Batman pode sentar ou não pode? Em tempo, o próprio Bolland, coautor da obra e que teve acesso ao roteiro antes de ser desenhado, já havia levantado essa possibilidade desde 2008.
Por que é tão difícil mexer nesse cânone? Por que tantas respostas exacerbadas contra essa visão? Afinal de contas, o Batman pode sentar ou não pode? Em tempo, o próprio Bolland, coautor da obra e que teve acesso ao roteiro antes de ser desenhado, já havia levantado essa possibilidade desde 2008.
Porém, na internet, estão rolando outras interpretações possíveis para o porquê do som ter terminado e os faróis da polícia terem se apagado. Aparentemente, o que os policiais presenciaram após Batman ter posto a mãozinha sobre o ombro do Coringa foi isso aqui:
* Porém, o melhor da piada é que, no penúltimo quadrinho da história, não é que o farol da viatura refletido na água não forma exatamente um facho de luz? Um facho de luz que depois é... apagado?
Hein, entenderam a piada, hã, hã?!?
5 comentários:
Batman ficou gargalhando porque surtou. Afinal, ele é louco e pode, muito bem, conhecer seus momentos de crise. Mas, considerando a tendência gay que as editoras gigantes norte-americanas estão tomando, esse possível final é bem interesse para uma releitura, nos dias atuais! rs
A Killing Joke parece-me ter mts ideias que não foram abordadas de forma explícita e deixadas à interpretação do autor. O que Joker fez com Barbara e James Gordon? Acho que Moore disse que queria ir mais longe do que o deixaram aqui, mas na realidade mta da coisa que ocorre fica à nossa interpretação tal como o final.
É como mto bem dizes a Piada Mortal por isso a interpretação do Morrison parece-me mto certeira.
MAs é interessante ver as diferentes interpretações que todos lhes damos.
Batman *não* matou o Coringa. Essa história fez parte da continuidade "normal" da época - tanto que depois dessa edição a batgirl ficou paralítica, para mais tarde voltar como uma heroína chamada "Oráculo". Em muitas das histórias dela, ela relembra o tiro que levou do Coringa, o que reforça que a história aconteceu no "arco normal" da continuidade.
Só depois do reboot recente da DC que a Barbara voltou a andar e ser a Batgirl.
E o Coringa apareceu em milhões de HQs depois de publicada essa história... Conclui-se então que Batman não matou ninguém.
Sempre considerei A Piada Mortal um spin-off justamente pelo fato do Coringa continuar vivo na linha do tempo das histórias do Batman, mas não sei se estou certa nisso.
E, francamente (e eu sei que isso vai soar arrogante), não creio que precisaram explicar o final para alguém entender o que houve. Quero acreditar que quem comprou A Piada Mortal só leu uma vez ou não está acostumado com o estilo do Moore.
SLothman é precisamente por a Piada Mortal fazer parte da continuidade que não podiam "oficialmente" matar o Joker. Isso não quer dizer que a intenção do autor não fosse essa, e não podendo fazê-lo de forma explíxita, deixa apenas a sugestão.
Mas cada um é livre de interpretar o final e todo o livro como quiser. como disse o final não é explícito e não é certamente a primeira nem última vez que olhamos para as coisas com pontos de vista distintos uns dos outros
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